Utah 2022 – Indian Creek e Reservoir Wall

Utah 2022 – Indian Creek e Reservoir Wall
Gisely Ferraz na "Penté" Reservoir Wall, Indian Creek.

Gisely Ferraz na “Penté” Reservoir Wall, Indian Creek.

Pense na fendolândia. Ela existe. E está bem no meio dos Estados Unidos, na região desértica do estado de Utah.

Indian Creek teve a sua descoberta para a escalada na década de 70, meio que atrelada ao uso de equipamentos móveis, uma vez que os pitons e cunhas, únicos equipamentos para proteção em fenda até essa época, já se mostravam extremamente destrutivos no arenito do deserto. Desde então o lugar de transformou na capital americana da escalada em fenda. Ué! Mas não era Yosemite? Para entender o que estou falando, é necessário conhecer o arenito de IC. As fendas são perfeitas, e uma agarra para pé que seja, são raríssimas. É o estilo mais puro e obrigatório de escalar entalando todos os membros do corpo que puder, de falange a chaminés em tesoura, e nesse meio, é necessário dominar toda sorte de técnicas extremamente apuradas até que você comece a se dar menos mal em um simples 5.10 que é um 6° grau brasileiro.

Kamon! Uhuuuuu!

Fendolândiaaaa! Uhuuuuu!

 

Reservoir Wall

Reservoir Wall

Vindo de Moab, a estrada é quase toda plana e quase 2h até os principais setores de escalada. Após Monticello, subimos uma serra bem suave para os padrões brasileiros e quando a estrada começa a descer, damos de cara com os cânions de Indian Creek. São enormes mesas enfileiradas, com paredes vermelho-rubi intercaladas de faixas mais amareladas.

O lugar é próximo ao parque nacional de Canyolands, mas não faz parte do parque. É um lugar mais selvagem, com pouquíssima estrutura, que se resume a uns banheiros secos e estacionamentos. Não existe ponto para coleta de água, nem comércio. Campings somente em áreas designadas, e por serem áreas particulares, os rancheiros criam gado solto, que frequentemente invadem a pista. Dirija com cuidado! Atropelar uma vaca no estado de Utah pode além do acidente, te causar um belo prejuízo ao pagar o animal e o que ele renderia de lucros ao dono por 4 gerações! Falando em animais, veados e outros animais de médio porte como coyotes são facilmente avistados e também cruzam a estrada aparecendo do nada. Cuidado.

Os principais setores são ao lado dessa estrada asfaltada. Desta vez eu estava com a Tatiana Batalha, Antônio Paulo e com a presença especial da embaixadora brasileira Gisely Ferraz. O primeiro que visitamos foi o Reservoir Wall, distante 20 minutos do estacioinamento. A Gi entrou na Penté, uma fenda da mão de 5.11 com mais de 40m. Fiz a via em top rope e tomei o primeiro de muitos espancos, só não caindo por estar com corda de cima. Se estivesse guiando, a história seria outra. Morte!

Tati numa fenda de 5.10

Tati numa fenda de 5.10

Antes de viajar conversei com o Sergio Tartari para pegar umas dicas e ele me disse “em IC via de 5.10 é hard”. Vindo de quem já esteve lá 6 vezes, o aviso me deixou mais preparado com a real possibilidade de tomar uma surra em graus bem abaixo do que estou acostumado a escalar onsight. A pessoa tem que estar ciente de que o lugar é diferente e vai destruir a sua autoestima. Na Penté, comecei a chegar nas primeiras conclusões do por que, IC é tão duro.

As fendas são quase todas perfeitas do início ao fim, o que torna os movimentos as vezes bem repetitivos e sem descanso, te vencendo pela resistência e pela dor, pois ao sentir a falta de aderência comum no granito brasileiro, a tendência é colocar mais força do que o necessário nos entalamentos. Outra característica dessas escaladas é que são necessárias várias peças repetidas, e não é difícil usar uma dezena de cams do mesmo tamanho. Nuts? Esqueça, as fendas são quase todas paralelas. É uma escalada para rico, ahahaha. Para dar um alívio no orçamento, você pode pedir alguma peça emprestadada para os escaladores que estão na falésia, e é bem comum alguém vir te pedir também. Todos emprestam equipamento, mas se entalar e não conseguir recuperar, perder, deixar cair a peça empestada, esteja com a carteira pronta para pagá-la na hora.

Neste primeiro dia, Antônio Paulo, Tati e eu fizemos várias vias próximas umas das outras, todas na faixa do 5.10. Algumas vias possuem identificação do nome feitas em lascas de arenito, e facilita muito a gente se achar nos setores de fendas tão iguais e próximas umas das outras. Na quarta via que escalamos neste setor, fomos nos acostumando com o estilo, entendendo a movimentação e a esperança de que a poderíamos escalar de maneira fluida, despontou no horizonte.

Na última via do dia, outro 5.10 de entalada de mão, comecei a entender o estilo de escalada e a sacar que o grau da via nem sempre condiz com a dificuldade da linha, e sim com a largura da fenda.

Na última via do dia, outro 5.10 de entalada de mão, comecei a entender o estilo de escalada e a sacar que o grau da via nem sempre condiz com a dificuldade da linha, e sim com a largura da fenda.

Dia seguinte o tempo piorou e seguimos viagem para Bryce Canyon, Zion (onde a chuva era tanta que não nos deixou fazer nem uma caminhada) e Maple Canyon, onde escalamos num dos conglomerados mais incríveis e coloridos que eu já vi. Algumas semanas depois, Gi, Ana e eu retornamos a IC, mas essa história em conto daqui uns dias 😉

Eliseu Frechou

Eliseu Frechou

Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.


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