Erwoda-Yunek – Escalando um tepuy na Venezuela
Esta semana retornamos de uma trip bem inusitada aos confins da savana venezuelana, para abrir uma via num pequeno tepuy chamado Erwoda-Yunek, situado ao lado do gigante Akopan, no maciço de Chimanta.
A Venezuela é um lugar tenso para mim. Não tenho boas recordações das vezes que estive lá em 1996, 2008, 2009 e 2010. Todas as vezes tivemos enroscos com as autoridades de fronteira que de alguma forma, tentaram inventar alguma história e nos extorquir algum dinheiro. Existe um monte de lugares do mundo menos embaçados, então por 13 anos deixei a Venezuela de lado e foquei noutros destinos. Mas é fato que lá estão algumas das paredes mais incríveis da América do Sul, sem contar as lindas caminhadas e trekkings como o do Monte Roraima que eu ainda quero fazer.
O Fernando Leal ressuscitou das trevas depois de mais de 6 anos de inatividade com a idéia de fazer algo nos tepuys. Dei uma pensada, pesquisei e achei o Erwoda-Yunek, que é um tepuy de menos de 200m com acesso razoável a partir da aldeia de Yunek. Chegar em Yunek que era o crux. Via terrestre são 3-4 dias entre caminhadas e trechos de barco a remo a partir de Santa Elena de Uairén. De avião, 40 minutos. Adivinhe nossa escolha?
Um guia é necessário?
Desta vez contratamos um “oficial de ligação”, o guia venezuelano Alejandro Molero que resolveu magistralmente um monte de tretas e autorizações. Sua preseça foi essencial para que a experiência dos anos anteriores não se repetisse, e a viagem fosse suave. Ele nos encontrou e nos deixou em Boa Vista, e tem todo o esquema para guiadas no Roraima e outros tepuys da região o que agiliza demais. E já havia estado em Yunek e no Akopan, o que seria de grande valia para adiantar os processos. Recomendo fortemente contratá-lo caso tenha interesse de viajar para a região.
A viagem de Boa Vista para Santa Elena não é rápida. São 3 horas em estradas médias e ruins. Então é só ir de buenas e colocar a segurança em primeiro lugar.
Em Santa Elena já tínhamos reservado o avião, mas após mais uma burocracia de última hora que exigia passaporte e vistos para adentrar o interior do país, nos consumiu mais de 3 horas. Saiu atrasado, mas chegou antes do meio dia em Yunek.
Erwoda-Yunek
Para adentrar áreas indígenas na Venezuela é necessária uma autorização dos Capitães (Caciques). Há uma chefia em Santa Elena que faz esse trâmite que não é barato mas faz parte do jogo. Ao chegar na aldeia, nos reunimos com um dos líderes chamado Leonardo. Nos foram dadas as boas-vindas e dito o que pode e o que não pode. De Yunek dá para ver o Akopan bem na frente. Incrível! E o Erwoda mais ao longe, logo a direita do maciço principal.
Tomamos banho de rio, jantamos, e dormimos cada um com seus pensamentos do que seria a escalada…
Dormimos em um galpão e no dia seguinte partimos com três carregadores as 08h00. A caminhada é bem tranquila e visual o tempo todo. Dá para ver as paredes o tempo todo pois a vegetação da savana é baixa, então a orientação é bem fácil. Em 3 horas estávamos no acampamento base. Deixamos o Fernando e o Júlio montando o acampamento e a tenda da cozinha e partimos com os carregadores para deixarmos os equipamentos na base da linha que iríamos escolher na hora.
Mais uma hora de caminhada em um caminho não definido com gramíneas na altura do joelho e muitas pedras soltas que pegam velocidade e podem facilmente machucar alguém que esteja na trajetória delas até onde o terreno diminui de inclinação, uns 300 metros pra baixo. Bem tensa essa parte. Decidimos andar em diagonal, e quando chegássemos perto da parede, lado a lado, para que ninguém fosse atingido pelas pedras soltas.
Escolhemos uma linha na primeira torre, já que na segunda já haviam 2 outras rotas venezuelanas e não queríamos cruzar com nenhuma delas.
Descemos para o acampamento e o restante do dia foi de descanso. Os indígenas voltaram para a aldeia e apenas o Alejandro ficou conosco. Noite chuvosa com amanhecer ensolarado. Demoramos um pouco para sairmos e chegamos apenas as 08h30 na parede para iniciar a conquista. Ana quis assumir a liderança e fez um primeiro lance de 20m bem estranho e sujo entre balcões e vegetação de cipós até alcançar um platô com duas árvores de tamanho médio onde fez uma parada opcional. Eu subi e ela continuou guiando. Logo na saída um bloco se desprende e ela cai. Susto! Um flexcam #5 segura a queda e logo ela se recobra e com a pedra e a fenda de um diedro um pouco mais limpos, consegue atingir mais um platô com uma pequena árvore e logo mais um outro platô onde monta a base, 25m acima de onde o Fernando e eu estamos. Subo, ela bate os grampos de parada e rapel e enquanto o Fernando sobe eu já me preparo para a segunda enfiada que seria minha.
Sigo por um diedro óbvio que de baixo parecia bem promissor olhando de baixo, para ir me assustando a cada lance com a quantidade de blocos e lacas soltas. Tudo parecia encaixado e esperando um sopro para despencar. Não consigo render muito tendo que tomar tanto cuidado. Várias partes da fenda têm lacas bem grandes encaixadas e não podem ser usadas, me forçando a seguir mais a esquerda, muitas vezes em artificial. Uns 20m da base, instalo um grampo e desço. Chegamos no chão as 15h00.
Essa noite foi do cão. Calor insuportável e muitos mosquitos. Os insetos faziam um barulho considerável do lado de fora da barraca, dando a sensação de que se a barraca tivesse um minúsculo buraco, eles entrariam e nos devorariam. Para completar minha desgraça, ao entrar na barraca foi queimado na mão e nas costas. Caracas! Sinixtro! Na hora achei que fosse picada de escorpião pois foi nas costas e eu não vi.
– Ana! Me ajudaaaaa!
Putzgrila, achei que iria morrer de tanto que queimava e logo começou a avermelhar. Felizmente Ana achou uma taturana verde cheia de espinhos no meio dos sacos de dormir e aí eu achei que talvez houvesse esperança sobreviver a esse ataque selvagem da maldita taturana. Meia hora depois a dor já era suportável e no dia seguinte estava zerado.
Dia seguinte saímos cedo e logo atingimos o ponto do dia anterior. A instabilidade da escalada seguiu na mesma. Muito perigosa. Os blocos grandes eram tão pesados que eu não poderia jogá-los para baixo com a certeza de que eles passariam longe da Ana e do Fernando. Termino a enfiada num trecho fácil, mas de pedras e blocos todos encaixados e sobrepostos, tipo pilha de caixas. Medo. Ao começar o domínio do platô onde seria a base, uma coruja sai apavorada de um buraco na minha frente e dá um mergulho parede abaixo. Meu coração dispara com o susto. Pelamor! Um dia pra quem tem coração forte.
Ana e Fernando jumareiam limpando a enfiada mas direcionando a corda em costuras para se manterem longe dos blocos soltos. Subo um platôzinho, atinjo uma parede lisa com mais blocos encaixados e fendas horizontais finas em rocha decomposta bem pouco confiáveis para peças pequenas. Instalo uma chapa e desço, já esgotado e com câimbras.
Essa noite foi tranquila, fresca e sem mosquitos. Vai entender a dinâmica desse lugar? Combinamos de acordar mais cedo e saímos antes das 06h00.
Subi na frente e cheguei na última base em 40 minutos. Fiquei mais assustado com os blocos soltos e instabilidade geral na parede do que no dia anterior. É difícil decidir o que fazer nessas horas, mas achei imprudente continuar a conquista sem termos cordas fixas até o chão, e era o que iria acontecer dali pra frente, pois só tínhamos 3 cordas e elas já estavam sendo usadas.
Ana chegou e pegou a ponta da corda. Converso com o Fernando sobre as considerações de segurança e decidimos fazer o que dava nesse dia e recolher o equipamento, dando a via como encerrada onde quer que terminasse.
Ana continua a conquista e coloca mais uma proteção fixa, passa uns trechos muito ruins de rocha decomposta e eu assumo. Passo em artificial por um teto, instalo mais duas proteções e uma base no talo dos 35m do meio da corda o que me garante o rapel até onde Ana e Fernando estão. Descemos tudo com um misto de frustração por não fazer o topo (menos 30 metros acima da nossa última base) e alívio por não precisarmos mais passar pelos blocos soltos.
Assista outra grande aventura na Venezuela
Eliseu Frechou
Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.
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