Erwoda-Yunek – Escalando um tepuy na Venezuela
![Erwoda-Yunek – Escalando um tepuy na Venezuela](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/v3-890x395_c.jpg)
Esta semana retornamos de uma trip bem inusitada aos confins da savana venezuelana, para abrir uma via num pequeno tepuy chamado Erwoda-Yunek, situado ao lado do gigante Akopan, no maciço de Chimanta.
A Venezuela é um lugar tenso para mim. Não tenho boas recordações das vezes que estive lá em 1996, 2008, 2009 e 2010. Todas as vezes tivemos enroscos com as autoridades de fronteira que de alguma forma, tentaram inventar alguma história e nos extorquir algum dinheiro. Existe um monte de lugares do mundo menos embaçados, então por 13 anos deixei a Venezuela de lado e foquei noutros destinos. Mas é fato que lá estão algumas das paredes mais incríveis da América do Sul, sem contar as lindas caminhadas e trekkings como o do Monte Roraima que eu ainda quero fazer.
O Fernando Leal ressuscitou das trevas depois de mais de 6 anos de inatividade com a idéia de fazer algo nos tepuys. Dei uma pensada, pesquisei e achei o Erwoda-Yunek, que é um tepuy de menos de 200m com acesso razoável a partir da aldeia de Yunek. Chegar em Yunek que era o crux. Via terrestre são 3-4 dias entre caminhadas e trechos de barco a remo a partir de Santa Elena de Uairén. De avião, 40 minutos. Adivinhe nossa escolha?
![Akopan](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/ERF06013.jpg)
O gigante Akopan
![A parede do Erwoda-Yunek visto da aldeia. O Campo-base fica no ponto amarelo](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/ERF06014campobase.jpg)
A parede do Erwoda-Yunek visto da aldeia. O acampamento fica no ponto amarelo.
Um guia é necessário?
Desta vez contratamos um “oficial de ligação”, o guia venezuelano Alejandro Molero que resolveu magistralmente um monte de tretas e autorizações. Sua preseça foi essencial para que a experiência dos anos anteriores não se repetisse, e a viagem fosse suave. Ele nos encontrou e nos deixou em Boa Vista, e tem todo o esquema para guiadas no Roraima e outros tepuys da região o que agiliza demais. E já havia estado em Yunek e no Akopan, o que seria de grande valia para adiantar os processos. Recomendo fortemente contratá-lo caso tenha interesse de viajar para a região.
A viagem de Boa Vista para Santa Elena não é rápida. São 3 horas em estradas médias e ruins. Então é só ir de buenas e colocar a segurança em primeiro lugar.
Em Santa Elena já tínhamos reservado o avião, mas após mais uma burocracia de última hora que exigia passaporte e vistos para adentrar o interior do país, nos consumiu mais de 3 horas. Saiu atrasado, mas chegou antes do meio dia em Yunek.
Erwoda-Yunek
Para adentrar áreas indígenas na Venezuela é necessária uma autorização dos Capitães (Caciques). Há uma chefia em Santa Elena que faz esse trâmite que não é barato mas faz parte do jogo. Ao chegar na aldeia, nos reunimos com um dos líderes chamado Leonardo. Nos foram dadas as boas-vindas e dito o que pode e o que não pode. De Yunek dá para ver o Akopan bem na frente. Incrível! E o Erwoda mais ao longe, logo a direita do maciço principal.
Tomamos banho de rio, jantamos, e dormimos cada um com seus pensamentos do que seria a escalada…
![O permisso. Sem ele, você não consegue nem entrar no avião.](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/permisso.jpg)
O permisso. Sem ele, você não consegue nem entrar no avião.
![Quantos desses instrumentos funcionam?](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/GOPR1318-Copia.jpg)
– Fernando, quantos desses instrumentos funcionam?
![Kamon! Uhuuuuu!](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/ERF00544.jpg)
Kamon! Uhuuuuu! Alejandro, Ana e eu.
![Yunek](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/DJI_0425.jpg)
Yunek.
![Banho de rio.](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/v24.jpg)
Banho de rio.
![Galpão em Yunekonde dormimos a primeiro noite.](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/v35.jpg)
Galpão em Yunek onde dormimos na primeiro noite.
Dormimos em um galpão e no dia seguinte partimos com três carregadores as 08h00. A caminhada é bem tranquila e visual o tempo todo. Dá para ver as paredes o tempo todo pois a vegetação da savana é baixa, então a orientação é bem fácil. Em 3 horas estávamos no acampamento base. Deixamos o Fernando e o Júlio montando o acampamento e a tenda da cozinha e partimos com os carregadores para deixarmos os equipamentos na base da linha que iríamos escolher na hora.
![Caminhada na savana e oErwoda-Yunek a menos de 2 horas](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/v20.jpg)
Caminhada na savana e o Erwoda-Yunek a menos de 2 horas.
![Campo-base ao lado de um pequeno riacho. Daí são mais 1 hora até a base da parede.](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/GOPR1355.jpg)
Campo-base ao lado de um pequeno riacho. Daí, mais 1 hora até a base da parede.
![Aproximação bem perigosa.](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/v15.jpg)
Aproximação final bem perigosa.
![Entardecer com o Akopan e outros tepuys ao fundo](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/ERF00613.jpg)
Entardecer com o Akopan e outros tepuys ao fundo. Em algum lugar sempre está chovendo.
![Conversas na cozinha](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/ERF00602.jpg)
Conversas na cozinha.
![Conversas na cozinha.](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/ERF00608.jpg)
Conversas na cozinha.
![Acampamento](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/ERF00577.jpg)
Acampamento
Mais uma hora de caminhada em um caminho não definido com gramíneas na altura do joelho e muitas pedras soltas que pegam velocidade e podem facilmente machucar alguém que esteja na trajetória delas até onde o terreno diminui de inclinação, uns 300 metros pra baixo. Bem tensa essa parte. Decidimos andar em diagonal, e quando chegássemos perto da parede, lado a lado, para que ninguém fosse atingido pelas pedras soltas.
Escolhemos uma linha na primeira torre, já que na segunda já haviam 2 outras rotas venezuelanas e não queríamos cruzar com nenhuma delas.
Descemos para o acampamento e o restante do dia foi de descanso. Os indígenas voltaram para a aldeia e apenas o Alejandro ficou conosco. Noite chuvosa com amanhecer ensolarado. Demoramos um pouco para sairmos e chegamos apenas as 08h30 na parede para iniciar a conquista. Ana quis assumir a liderança e fez um primeiro lance de 20m bem estranho e sujo entre balcões e vegetação de cipós até alcançar um platô com duas árvores de tamanho médio onde fez uma parada opcional. Eu subi e ela continuou guiando. Logo na saída um bloco se desprende e ela cai. Susto! Um flexcam #5 segura a queda e logo ela se recobra e com a pedra e a fenda de um diedro um pouco mais limpos, consegue atingir mais um platô com uma pequena árvore e logo mais um outro platô onde monta a base, 25m acima de onde o Fernando e eu estamos. Subo, ela bate os grampos de parada e rapel e enquanto o Fernando sobe eu já me preparo para a segunda enfiada que seria minha.
![Ana na segunda parte da primeira enfiada... ou seria a segunda enfiada?](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/GOPR1380.jpg)
Ana na segunda parte da primeira enfiada… ou seria essa a segunda enfiada?
Sigo por um diedro óbvio que de baixo parecia bem promissor olhando de baixo, para ir me assustando a cada lance com a quantidade de blocos e lacas soltas. Tudo parecia encaixado e esperando um sopro para despencar. Não consigo render muito tendo que tomar tanto cuidado. Várias partes da fenda têm lacas bem grandes encaixadas e não podem ser usadas, me forçando a seguir mais a esquerda, muitas vezes em artificial. Uns 20m da base, instalo um grampo e desço. Chegamos no chão as 15h00.
![Segunda enfiada. Um diedro tenebroso com muitos blocos soltos.](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/v27.jpg)
Segunda enfiada. Um diedro tenebroso com muitos blocos soltos.
Essa noite foi do cão. Calor insuportável e muitos mosquitos. Os insetos faziam um barulho considerável do lado de fora da barraca, dando a sensação de que se a barraca tivesse um minúsculo buraco, eles entrariam e nos devorariam. Para completar minha desgraça, ao entrar na barraca foi queimado na mão e nas costas. Caracas! Sinixtro! Na hora achei que fosse picada de escorpião pois foi nas costas e eu não vi.
– Ana! Me ajudaaaaa!
Putzgrila, achei que iria morrer de tanto que queimava e logo começou a avermelhar. Felizmente Ana achou uma taturana verde cheia de espinhos no meio dos sacos de dormir e aí eu achei que talvez houvesse esperança sobreviver a esse ataque selvagem da maldita taturana. Meia hora depois a dor já era suportável e no dia seguinte estava zerado.
![Visual no amanhecer.](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/v32.jpg)
Visual no amanhecer.
Dia seguinte saímos cedo e logo atingimos o ponto do dia anterior. A instabilidade da escalada seguiu na mesma. Muito perigosa. Os blocos grandes eram tão pesados que eu não poderia jogá-los para baixo com a certeza de que eles passariam longe da Ana e do Fernando. Termino a enfiada num trecho fácil, mas de pedras e blocos todos encaixados e sobrepostos, tipo pilha de caixas. Medo. Ao começar o domínio do platô onde seria a base, uma coruja sai apavorada de um buraco na minha frente e dá um mergulho parede abaixo. Meu coração dispara com o susto. Pelamor! Um dia pra quem tem coração forte.
Ana e Fernando jumareiam limpando a enfiada mas direcionando a corda em costuras para se manterem longe dos blocos soltos. Subo um platôzinho, atinjo uma parede lisa com mais blocos encaixados e fendas horizontais finas em rocha decomposta bem pouco confiáveis para peças pequenas. Instalo uma chapa e desço, já esgotado e com câimbras.
![Segunda base.](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/GOPR1423.jpg)
Segunda base. Veja o tamanho dos blocos soltos atrás de nós. Metade da parede era nesse estilo.
Essa noite foi tranquila, fresca e sem mosquitos. Vai entender a dinâmica desse lugar? Combinamos de acordar mais cedo e saímos antes das 06h00.
Subi na frente e cheguei na última base em 40 minutos. Fiquei mais assustado com os blocos soltos e instabilidade geral na parede do que no dia anterior. É difícil decidir o que fazer nessas horas, mas achei imprudente continuar a conquista sem termos cordas fixas até o chão, e era o que iria acontecer dali pra frente, pois só tínhamos 3 cordas e elas já estavam sendo usadas.
![Ana na terceira enfiada](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/v4.jpg)
Ana na terceira enfiada.
Ana chegou e pegou a ponta da corda. Converso com o Fernando sobre as considerações de segurança e decidimos fazer o que dava nesse dia e recolher o equipamento, dando a via como encerrada onde quer que terminasse.
Ana continua a conquista e coloca mais uma proteção fixa, passa uns trechos muito ruins de rocha decomposta e eu assumo. Passo em artificial por um teto, instalo mais duas proteções e uma base no talo dos 35m do meio da corda o que me garante o rapel até onde Ana e Fernando estão. Descemos tudo com um misto de frustração por não fazer o topo (menos 30 metros acima da nossa última base) e alívio por não precisarmos mais passar pelos blocos soltos.
![Rota Brasileira, 5° VI A2](https://eliseufrechou.com.br/wp-content/uploads/2023/12/ERF00617tracado.jpg)
Rota Brasileira, 5° VI A2
Assista outra grande aventura na Venezuela
Eliseu Frechou
Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.
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