El Potrero Chico – México I

Na primeira viagem que fiz à El Potrero Chico, point de interesse internacional para a escaladores esportivos, em dezembro de 2004, e que na época não deveria ter 20% do número de rotas que tem atualmente, me deslumbrei com o potencial e grandiosidade do lugar.

Para quem olha de frente, o maciço de El Potrero Chico não revela o que realmente é: uma série de cânions, com paredes dos dois lados, e um atrás do outro, o da frente escondendo o de trás. O que se vê olhando de frente, são paredes gigantes, mas a medida que você se aproxima, começamos a sacar que o volume de rocha escalável é muitas vezes maior do que você pode ver de longe, pois as montanhas são “fatiadas” e só conseguimos ver as fatias a medida que nos aproximamos.

Existe um guia de escaladas que eu recomendo, chamado EPC Climbing – A Climber’s Guide to El Potrero Chico, escrito por Frank Madden (U$ 42,) que é uma excelente fonte de informações, mas para as vias maiores, o formato de risco do trajeto em uma foto da parede, é insuficiente. Uma dica, é complementar as infos do guia com croquis mais bem detalhados que podem ser encontrados na internet, principalmente se você for entrar nas vias mais longas. Para vias esportivas, o guia funciona muito bem.

Nesta trip de fevereiro de 2021, fiquei 22 dias em EPC, os quais apesar de estar no meio da estação de escalada, fritei num calor acima dos 32°C e dias depois, congelei à -3°C, com sensação de -7°C (ok, foi bem incomum, mas vá preparado pois isso pode acontecer com você também).

As "fatias" de EPC, formando paredes, vales, paredes... de longe e de frente, a impressão é de uma parede compacta e única.

As “fatias” de EPC, formando paredes, vales, paredes… de longe e de frente, a impressão é de uma parede compacta e única.

Ana Fujita na Motta Wall

Ana Fujita na Motta Wall

As Vias

Existem dezenas de setores em EPC, com características distintas de rocha e inclinação das paredes. Se sua faixa de grau gira em torno de 5° a 7c, você vai escalar muito. Abaixo de 4° e acima de 8a existem poucas vias. Lógico que existem 9°s, mas não são muitos.

Na primeira parte da viagem, escalei com o Rogério Jorge duas vias muito recomendadas: Space Boyz e Satori.

Space Boyz é uma clássica de 12 enfiadas, as quais por razões de segurança, fizemos apenas 9, as 3 últimas são em terrenos fácil, com muitos blocos soltos o que torna a recuperação da corda bem arriscada se a mesma prender num bloco e soltá-lo. E se machucar num rapel, é a última coisa que iríamos querer numa viagem ao exterior. Rogério e eu nos revezamos nas guiadas e escalamos as 9 enfiadas e descemos em menos de 6 horas.

Rogério Jorge na "Space Boyz"

Rogério Jorge na “Space Boyz”

Satori é outra via recomendadíssima. Aproximação duríssima de 30min (ahahaha). As duas primeiras enfiadas são em face, mas o melhor são as outras 5 que seguem por um lindo pilar, que além de ser aéreo, oferece uma vista magnífica das paredes do lado leste do maciço. Nessa via a corda prendeu duas vezes no rapel, tome cuidado e esteja preparado para perder um tempo extra se precisar refazer alguma enfiada para soltar a corda. Novamente Rogério e eu nos revesamos e fizemos a rota em um pouco mais de 3 horas.

Os setores esportivos de melhor rocha são Motta Wall, com vias curtas e longas, e as sensacionais Agulhas. Na Motta Wall, além da clássica Pancho Villa Rides Again, a Treasures Of The Sierra Madre é excepcionalmente linda e recomendável, com muitas fendas e entalamentos.

Nas Agulhas, a parede que dá frente para o Outrage Wall tem sombra quase que todo o dia. Há várias opções para linkar nas linhas que chegam ao topo, e muitas vale a pena fazer apenas a primeira enfiada, descer e escalar outra do lado. A escalada da última enfiada da Agulha Menor é linda, se feita pela via Cielo del Rey.

Rogério na quinta enfiada da "Satori". Zapatista Wall.

Rogério na quinta enfiada da “Satori”. Zapatista Wall.

Considerações Sobre a Ética Local

Viajar é importante para quebrar paradigmas. Não é como dissertar sobre o que você ouviu, te ensinaram ou te disseram que é assim porque é assim. Ver e escalar em lugares, rochas e ambientes diferentes nos ensinam mais do que jamais poderíamos aprender nos livros ou nas conversas.

Já na primeira viagem a EPC, o que mais me chamou a atenção, foi o fato de existirem escaladas longíssimas, de mais de 12 enfiadas, que podiam ser repetidas sem um equipamento móvel sequer. A rocha calcária é conhecida por ser bem fraturada e em geral, bastante sólida e com boa aderência. Então por que todas as fendas eram grampeadas? É o estilo do lugar. Simples assim. Se alguém abrir uma nova rota e não instalar proteções fixas na fendas ou grampeá-la de forma a gerar alguma exposição além de E2, os escaladores locais irão retrogrampear a rota. E a ética? Ética são regras não escritas que variam de acordo com o lugar, época e a cabeça de cada pessoa e é bastante variável. Esse é um assunto bem polêmico, no qual quem acha que pode tirar grampo da via alheia porque “o point é tradicional, a via está em desacordo, blá, blá, blá…”, não tem que reclamar quando um outro resolve de adicionar grampos por que ali a orientação das vias é esportiva.

O direito autoral tem sido desconsiderado em vários lugares, inclusive no Brasil, com justificativas nem sempre razoáveis ou de consenso nas comunidades locais. Eu mesmo já escrevi que se o direito autoral não for respeitado, num futuro bem próximo, são os escaladores tradicionais que irão ter mais dores de cabeça, uma vez que a tendência de crescimento da escalada pende para um aumento no número de escaladores vindo de um ambiente esportivo e o argumento da segurança é bem mais aceito do que o do purismo. A regra do direito autoral não é perfeita, sempre vai haver um sem noção para fazer besteira quer seja abrindo vias expostas num pico trad ou grampeando fendas em montanhas, mas é melhor aguentar um imbecíl, do que toda uma comunidade achando que cada um tem o direito de modificar toda e qualquer via. Segurança ou aventura, a prioridade depende da cabeça de quem está na ponta da corda. Então é melhor respeitar o direito autoral, deixar as vias como foram conquistadas originalmente e não abrir precedentes à modificações de terceiros.

Nomes das vias gravadas em placas e fixadas nas bases também são uma característica de EPC

Nomes das vias gravadas em placas e fixadas nas bases também são uma característica de EPC

Sinceramente, escalar fendas com proteção fixa me é estranho. Mas eu posso conviver e me divertir com esse estilo? Posso. Se você é um escalador tradicional e comprou uma passagem para Potrero Chico, abra sua cabeça e curta o lugar como ele é, entenda que a escalada lá é for fun, e se quiser escalar algo mais exposto, desafiador, tradicional, fritar a cabeça… troque a passagem para outro destino. Muitas das pessoas que encontramos lá, só estavam escalando em EPC por que o lugar tem essas características. O mundo é grande, e há espaço para todos se divertirem.

Se em 2021 você não consegue conviver com as diferentes facetas da escalada, evite escalar rotas que não lhe agradam ou em lugares como El Potrero Chico e muitos outros com as mesmas características na Espanha, França… também aconselho ajuda psicológica para conseguir conviver com formas diferentes de pensar.

Bases equipadas com correntes para facilitar o rapel, e fendas grampeadas. Estilo esportivo EPC.

Bases equipadas com correntes para facilitar o rapel, e fendas grampeadas. Estilo esportivo EPC.

Equipamentos

A parte boa da ética local “esportiva à muerte!” é o investimento em manutenção e qualidade das proteções. A grampeação é impecavelmente nova e pudemos conferir isso em todas as vias que fizemos (lógico que sempre tem algum beginner colocando grampo em quina ou em buraco, ahahaha) portanto, não faça como eu – deixe seus friends e nuts em casa.

Equipamento obrigatório é corda de 70m. Apesar de a maior parte das vias ser dimensionada para 60m, o rapel de algumas delas fica no talo de 30m, causando uma situação de desconforto e risco que pode ser evitada usando uma corda um pouco maior. Não aconselho a rapelar com duas cordas, pois rapeis longos podem ser problemáticos se sua corda prender num bloco ou chifre de pedra quando você a puxar para recuperá-la. Digo isso porque passamos várias ocasiões em que isso aconteceu, em duas delas tivemos de subir para soltar a corda.

As bases estão sempre por volta dos 30m, e todas as vias que fizemos, tinham algum tipo de facilidade para rapelar, sejam correntes ou mosquetões de aço. Mesmo assim, leve uma ou duas malhas rápidas para um rapel de emergência no meio da enfiada.

Leve 20 costuras, mosquetões para montar bases de fita curta, sapatilhas de aperto variável e bastante magnésio. Mochila pequena, lanterna de cabeça e no mínimo 1,5l de água para as paredes maiores. Corta vento também é essencial.

Dicas

O Parque Turístico El Potrero Chico fica na cidade de Hidalgo, distante uma hora do aeroporto de Monterrey, segunda maior cidade do México. Hidalgo é uma cidade pequena e com poucos atrativos turísticos, mas a estrutura de supermercados e demais serviços essenciais funciona bem e como o objetivo é escalar, você não vai precisar de nada mais do que isso.

Para ir do aeroporto até Hidalgo, a opção mais barata é o aplicativo UBER (180 pesos). Outra e melhor opção, é alugar um carro (R$ 107/dia) e ficar tranquilo para ir à cidade, mudar de point e no nosso caso, ficar tranquilo para não perder o voo que era às 7 da manhã. Shuttle é roubada e caro, deixe como última opção. Não há linha regular de ônibus de Monterrey para Hidalgo.

Nos hospedamos no Rancho El Sendero EPC, de Don Mario, que nos recebeu muito bem. Excelentes acomodações, e uma mini suíte para duas pessoas custa U$ 50, a diária. Há opções de suíte grande, hostel e camping, com preços diferenciados. O lugar tem cozinha coletiva com geladeiras, fogões, talheres… A parte ruim é que viver em comunidade nem sempre é fácil. O lugar recebe muitos estrangeiros, e muitos deles pelo que parece, acham que no México tudo pode – e o pessoal mais jovem em especial, apavora fazendo barulho até tarde, festas, deixa cachorro entrar na cozinha quando o gerente não está por perto, não lava a louça que suja. Enfim, pessoas que ainda precisam evoluir em diversos aspectos para tornarem sua presença menos desagradável aos outros. Se você não quer se incomodar com isso, melhor alugar uma casa num aplicativo de hospedagem numa média de U$ 70, a diária.

Rancho Sendero EPC

Rancho Sendero EPC

Outra dica é procurar lugares onde não haja cachorros. Presenciamos várias tretas de cachorros nos points de escalada, desde cachorros bravos que mesmo na coleira mostravam os dentes para quem passava perto, a brigas feias envolvendo 3 cachorros grandes, cachorros sujando com urina e fezes os locais de passagem e colocação de corda ou passando por cima de equipamentos… e os donos fingindo nada ver. Mas parece que virou moda levar cachorro pra point de escalada, assim como parece também que virou obrigação de quem está no lugar para escalar, ter que tomar conta do pet alheio e se precaver para que ele não te morda, mexa na sua comida e não urine no seu equipamento.

Cachorros soltos. Evite se não curte ou vai se incomodar.

Cachorros soltos no setor Las Ánimas de El Salto. Evite se não curte ou vai se incomodar.

Continua…

 

 

 

Eliseu Frechou

Eliseu Frechou

Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.


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