El Potrero Chico – México II

El Potrero Chico – México II

Texto: Ana Fujita

Tem gente que sempre tem curiosidade de conhecer todos os lugares, sabe? E assim, quando apareceu a oportunidade de ir até Potrero Chico, eu não pensei muito – as condições não são as melhores para viajar: os casos de COVID bombando no Brasil e no México, a nossa moeda desvalorizada e a economia (inclusive a minha) capenga. Mas a mão coça demais, e a prudência ficou para trás.

Ana Fujita na Wonder Wall

Ana Fujita na Wonder Wall

Aí que cheguei à noite no abrigo El Sendero, escangalhada. Só fui entender o tamanho do brinquedo o dia seguinte. A hospedagem é bem perto e a montanha é uma presença de respeito. Mas foi ao caminhar entrando na estrada que separa vale o lado Leste do Oeste que eu vi que cada lado se desdobra tridimensionalmente em cânions e paredes. Eu não conseguia nem imaginar por onde começar. Nesse primeiro dia fizemos uma escalada leve e linda, na Agulha Menor. Na descida encontramos uma dupla que estava subindo e conversamos um pouco: um dirtbag do Colorado e uma moça que nunca havia escalado uma rota de várias enfiadas na vida. Estava frio, e logo saímos em busca de uma parede no sol. Fomos para uma parede a 3 minutos de caminhada, a Motta Wall. Lá fizemos duas vias esportivas, super hiper mega bem protegidas. Ao nosso redor deveria haver uma dezena de escaladores, todos vindos dos Estados Unidos em busca de uns dias mais quentes. Muitos pareciam ser menos experientes, pois entravam sempre no top rope e faziam perguntas sobre procedimentos. Também não pareciam muito espertos ao ficar embaixo de vias com gente escalando, em um lugar em pedra solta parece ser uma constante. Esse primeiro dia foi um resumo da estadia, como eu iria descobrir.

Satori, na Zapatista Wall

Satori, na Zapatista Wall

Sobre a escalada em si? Prazer. Calcário delicioso, agarras diferentes das que tem no granito aqui de “casa”, com formas variadas. Vários buraquinhos, buracões, entalamentos, fendas, movimentos diferentes. Tudo isso com a maior utilização de chapeletas da história da indústria, transformando qualquer escalador em um expoente da coragem. Várias cores e desenhos de rochas diferentes, e que depois aprendemos que são fósseis de conchas e corais do mar que um dia foi ali. Eu me diverti demais na diversão em descobrir novas agarras e novas vias. Tá, como nada é perfeito, a observação mais ou menos atenta das vias mostra que muita coisa no caminho é pedra empilhada, pedra apoiada em outra, ou mesmo quase caindo. Em algumas vias havia blocos beeeem grandes marcados com um X, indicando que seria mais prudente não olhar para eles (muito menos tocar) para evitar algum acidente grave envolvendo os amiguinhos mais para baixo.

"Estrellita", 10b no canyon Las Estrellas. 12 lindas enfiadas, mas com muitos blocos soltos no final

“Estrellita”, 10b no canyon Las Estrellas. 12 lindas enfiadas, mas com muitos blocos soltos no final

O que Potrero nos ofereceu nos dias seguintes foi parede para ficar no sol em dias frios, para ficar na sombra em dias quentes, para se esconder do vento, para ver e ser visto, para se esconder, e assim vai. Tem via para 10 minutos de esforço e bastante social, via para 3 horas, para um dia e para mais de um dia. Ainda sobre a escalada: chapeleta é a regra, em geral uma perto da outra. E elas estarão reluzindo mesmo que haja fendas clamando um equipamento móvel ou um buraco que poderia ser laçado. Outra coisa é que bloco solto também é parte do lugar, e eles estarão presentes em muitas vias, sem cerimônia. São as características que você aceita e se diverte.

As paredes do Virgin canyon oferecem sombra no dias de sol e relativa proteção contra o vento nos dias frios, mas são crowdeadas de escaladores, cachorros de escaladores e a dica é tomar cuidado com gente escalando acima de você, que possa soltar alguma pedra.

As paredes do Virgin canyon oferecem sombra no dias de sol e relativa proteção contra o vento nos dias frios, mas são crowdeadas de escaladores, cachorros de escaladores e a dica é tomar cuidado com gente escalando acima de você, que possa soltar alguma pedra.

Virgin canyon

Virgin canyon

As pessoas que encontramos lá foram as que ornavam com o lugar. Esmagadora maioria de escaladores vindos dos Estados Unidos, muitos bem jovens (outros nem tanto) em busca de diversão. Nos primeiros dias não vi nenhum mexicano e não pude utilizar meu “Buenos días” ensaiado à exaustão. Parecia um episódio de Friends! A maior parte das vias está entre os graus mais fáceis, então não vi vias equipadas para serem malhadas. Tampouco vi os tarados que entram na parede com um rack cheio de peças antes de nascer o sol. Nada de acordar muito cedo ou de muito planejamento, o ambiente é leve e a escalada, democrática.

"Treasures Of The Sierra Madre", 10c na Motta Wall

“Treasures Of The Sierra Madre”, 10c na Motta Wall

Existem dois grupos de Facebook de Potrero onde as pessoas combinam escaladas, trocam fotos, informações sobre as vias e onde alguns locais oferecem delivery de tacos e barbacoa.

Os detalhes sobre a nossa hospedagem o Eliseu já falou, mas eu fiquei bem tranquila pois tínhamos a possibilidade de uma rotina muito autônoma: não dependíamos de restaurantes ou serviços de terceiros. Fizemos uma boa compra de supermercado e preparamos refeições bem parecidas com as de casa: arroz, feijão (salgado), legumes, salada, ovos e sobremesas deliciosas. Tudo sem pimenta. A cozinha é ampla e bem equipada, e escolhemos cozinhar em horários com menos gente.  A única coisa da cidade que deu vontade de visitar foi um café tocado por escaladores e que fica dentro de um Hostel (El Buho – que apesar da pronúncia do nome não é em homenagem ao quadrúpede rabudo e sim, à fofa coruja). Não encontramos sequer uma cerveja boa, então aproveitamos o tempo para manter o trabalho no Brasil em dia (a conexão de internet era muito boa), ler, olhar as nuvens passando e descansar os dedos bebendo cerveja ruim mesmo.

Cozinha coletiva do Rancho Sendero EPC

Cozinha coletiva do Rancho Sendero EPC

A curiosidade foi uma boa aliada. Por conta dela, conheci um lugar legal e sem perrengue. Adquiri mais bagagem em termos de tipos de rocha, de vias, de pessoas e de lugares. Acho que isso pode vir a ajudar em alguma situação mais desafiadora. E mesmo que não ajude, foi divertido.

 

Eliseu Frechou

Eliseu Frechou

Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.


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