Expedição Lotus Flower Tower – Fairy Meadows até o Platô do Bivaque
Dezembro passado, Edemilson Padilha, Fernando Leal, Valdesir Machado e eu começamos a articular uma expedição a uma das mais imponentes paredes da América do Norte, a Lotus Flower Tower.
Fora o desafiador formato da montanha, e considerado ser o que muitos escaladores consideram o headwall mais bonito do planeta, o que nos chamava a atenção era o fato de o ambiente ser bem selvagem, mas sem o rigor das escaladas alpinas do hemisfério sul, o que nos possibilitaria, com umpouco de sorte, abrir uma rota brasileira no lugar. Bem… nossa sorte estava boa, com tudo arrumado, até que o Ed teve um problema pessoal e teve que cancelar sua ida dez dias antes da nossa partida. Viajar ao Canadá é uma trabalheira burocrática, o visto demora 40 dias para desenrolar. Os planos de abrir uma via brasileira ficaram assim, digamos, nebulosos.
A Lotus Flower Tower está no Northwest Territories do Canadá. Um estado imenso e pouco habitado, e o acesso se dá por Whitehorse, capital Yukon (26mil habitantes!) e de lá pra frente, o rolê é por pequenos aviões fretados. Esse é o crux para muitas expedições, pois esse trecho final, não sai por menos de CN$ 7.500, o que é algo em torno de R$ 16.000. Junte-se a esta cifra o trecho São Paulo-Vancouver-Whitehorse que é muito mais caro que uma viagem à Europa, e a sua conta bancária vai parecer uma plantação de tomates maduros. É caro. Pra nós, brazucas, mais caro ainda. Mas quanto custa o sonho? Qual o preço de uma escalada na Lotus Flower Tower? Quem escala já sabe a resposta: “Paga logo essa bagaça em n vezes e nem pense mais nisso“. Esta foi a estratégia para o sonho se tornar realidade.
Mosquitoland
Depois de quase um dia de vôo e conexões entre São Paulo e Whitehorse, encontramos o Warren, nosso piloto e seguimos já no Beaver (seu hidroavião) até seu lodge, distante 1h30 e já no NW Territories. O Lodge é fantástico, com estrutura digna de qualquer lugar sofisticado. Warren abre este lodge apenas 4 meses ao ano, no verão. Após a temporada, o lago congela e o acesso só é possível por meio de estradas no gelo. As únicas vilas que funcionam nessa época são as das minas de tungstênio e ouro.
No dia seguinte, seguimos para o The Circle of Unclimbables, novamente mais 1h15 no Beaver carregado. Após um rápido sobrevoo nas paredes, descemos no Glacier lake, descarregamos e demos adeus ao Warren, que nos deixou com um telefone satelital para contatá-lo quando quiséssemos ir embora.
A caminhada até o Fairy Meadows, que é o campo-base para atacar as pares, leva de 5 a 10 horas, dependendo da sua carga e da sua disposição. A primeira parte do rolê, cerca de 1h30, se dá margeando o lago. Este trecho é terrível, pois a água empoçada nas margens é um criadou natural para os mosquitos e a cada tapa que dávamos na cara, matávamos pelo menos dois ou três. O repelente durava apenas alguns minutos. E a voracidade dos insetos testou bem nosso estado de humor. Ok, tenho uma técnica para essas situações: finjo que não é comigo, que estou num filme, e é claro, rio dos amigos que ficam abanando galhos de árvore para espantar os mini-vampiros.
Na segunda parte, a caminhada sobre por uma linda trilha que margeia o rio que desce do Fairy Meadows. Caminhamos em meio às coníferas, mas numa vegetação baixa, com musgos fazendo da trilha íngreme uma tarefa até agradável para quem estava com mais de 20kg nas costas. Após 7 horas, pregados de cansaço, chegamos ao nosso acampamento. Arranjamos espaço debaixo de uma enorme pedra e nos instalamos. Almoçamos, proseamos e decidimos que no dia seguinte faríamos mais um transporte antes de tentar escalar qualquer coisa e depois iríamos escalar a rota Americana para sentirmos o clima, analizar o relevo e decidirmos se com a equipe reduzida e a logística da escalada alpina que havíamos planejado, faríamos ou não uma conquista na região.
Neste dia, o Val e eu subimos uma moraina para ver a Lotus. O dia estava nublando e a primeira visão da montanha, cinzenta, não foi, digamos assim, amigável.
A tarefa para o segundo dia da expedição, foi fazer mais um transporte de alimentos e equipamentos do Glacier lake para abastecermos o campo-base com mantimentos para 10 dias. A descida foi punk depois da maratona do dia anterior. Descemos para a mosquitolândia debaixo de chuva, em três horas e meia e fugimos de lá em seis. Lógico que bem mais leves do que havíamos subido no dia anterior.
O terceiro dia, que deveria ter sido de descanso, foi para mim e para o Val, de trabalho. Subimos para levar o equipamento até a base da montanha, distante duas horas de caminhada por morainas. Ao chegarmos na base, encontramos a primeira e terceira enfiadas encordadas. Até a quarta enfiada a parede escorria bastante água. Na intenção de agilizar nossa vida para o dia do ataque ao cume, o Valdesir guiou a segunda enfiada e assim já adiantamos 150m de cordas fixas.
O dia que amanheceu nublado e com chuva, foi se tornando ensolarado, e um encontro inesperado com simpático Sean Leary, escalador americano ex-namorado de Roberta Nunes, que acabara de escalar a mesma via que iríamos repetir, nos deu a dica de que o tempo na região estava em um ciclo de 3 dias bons para 2 de chuva, foi o beta para que entrássemos na via no dia seguinte.
MONTANHA ACIMA
Sem descanso, mas motivados, no quarto dia acordei as 02h45 e chacoalhei os caboclos. Acordar ainda no escuro para escalar não é uma boa sensação, pelo menos para mim, e aí a solução para não ficar de moral baixa é sair fazendo as tarefas no automático. Antes das 03h30 estávamos na trilha, após uma refeição bem forte para manter as forças na empreitada que sabíamos, seria de arrebentar.
As duas horas e meia até a base da via foram suficientes para que a luz do dia trouxesse a alegria à jornada. Chegamos e eu entrei na corda fixa, pois havíamos combinado que este trecho até o platô da décima enfiada seria guiado por mim.
A quarta enfiada está graduada como III grau no croqui. Pareceu um VI de tão molhada e escorregadia por conta da lama que descia dos tufos de mato. Para me ajudar, a proteção era péssima. Todas as lacas parecias expansíveis e com certeza muitas não segurariam uma queda. Apesar do trecho ser fácil, a possibilidade de um escorregão por conta da condição da rocha era bem real. Chego aliviado na base. Bem… As bases. As bases da via eram na maior parte das vezes, feitas em pitons velhos, unidos por cordeletes e fitas antigas- e quando muito, uma chapeleta de ¼”. O Val olha pra mim e sorri com aquela cara de “Bem vindo à escalada alpina. E ainda bem que não sou eu quem vai guiar esse trecho“. Rio pra não chorar e entro numa seqüencia de seis enfiadas de fendas e chaminés, que esticando a corda o máximo que posso, consigo transformar em apenas quatro. Ganhamos tempo e antes das 10h30 chego ao platô da décima enfiada. O único platô decente de toda a via.
Comemos, tomamos água (que eu não havia visto desde a base) e deixamos o peso extra no platô para pegarmos na volta.
Nas próximas 5 enfiadas, a tarefa de esticar a corda seria do Val.
Continua… https://eliseufrechou.com.br/expedicao-lotus-flower-tower-parte-iii-o-topo-e-a-volta/
Agradecimentos à:
CONQUISTA
DEUTER
LIOFOODS
MONTANHISMUS
SOLO
Eliseu Frechou
Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.
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