Carta Aberta à comunidade de montanhistas e escaladores de São Paulo

Carta Aberta à comunidade de montanhistas e escaladores de São Paulo

Carta Aberta à comunidade de montanhistas e escaladores da Pedra do Baú e seu entorno – MoNa Baú, Fundação Florestal, Prefeitura de São Bento do Sapucaí, Clubes, Associações, FEMESP e CBME

Prezadas e prezados colegas,

Há pouco soubemos da nova regra que obriga turistas a contratar agências de guias de São Bento para acessar a Pedra do Baú – https://www.instagram.com/p/C77C4hTODNX/

Decidi tornar público meu lamento e discordância quanto ao imposto com base nas seguintes considerações:

• A imposição de contratação de empresas para supostamente prover a segurança de turistas para visitação a bens naturais e públicos é uma afronta à liberdade de ir e vir, cláusula pétrea de nossa Constituição;

• Tal imposição revela mais a intenção de “ajudar” empresas a obter clientes do que propriamente facilitar e dar segurança àqueles que visitam o MoNa Baú;

• É constitutivo do montanhismo desde sempre e em nível mundial, qual referência ético filosófica, a prática livre e autônoma de suas inúmeras atividades e modos de viver a natureza, facultando aos praticantes o direito à escolha dos níveis de segurança que melhor lhes aprouver e, em consequência, opor-se a qualquer tipo de tutela quanto mais impostas por governantes e gestores de plantão;

• No Brasil, desde a criação de instituições representativas e organizadoras de atividades de montanhismo, dentre elas clubes, associações, federações (FEMESP) e confederação (CBME), toda luta se deu em torno da liberdade, da autorregulação e formação de novos praticantes, guias e instrutores, dispensando a tutela do Estado que amiúde mais ignora e desrespeita do que acrescenta e orienta sobre o que sabemos ser o melhor e o mais adequado para as atividades nos lugares de prática do montanhismo;

• A manutenção de Conselho Consultivo no MoNa Baú sem a participação da comunidade de montanhistas e interessados nas reflexões ali elaboradas e decisões decorrentes pode indicar um sinal perigoso de fechamento das instâncias de representação e participação da sociedade em temas e problemas de seu interesse;

• Não tornar pública com antecedência e com ampla visibilidade uma proposta como essa e sua discussão, que de certa forma privatiza o acesso dos visitantes a um bem público, é algo com o qual toda a comunidade de São Bento do Sapucaí deveria se ater e refletir;

• A existência de amplo e variado mercado de agências e guias a oferecer serviços de acompanhamento de passeios, caminhadas e escaladas bem como cursos e treinamentos em regiões de montanha, no Brasil e no exterior, reflete a diversidade de opções disponibilizadas para todos que desejam conhecer e desfrutar das belezas e dos desafios desses ambientes – logo, que esse mercado cresça e se fortaleça, com liberdade e competência, mas, espera-se, sem tutela nem protecionismos;

• Caso houvesse demanda técnica para a tutoria dos visitantes ao MoNa Baú tais como sítio arqueológico, frágil ambiente (p.ex. estalactites) ou bens históricos de relevante delicadeza (documentos ou fotos), que dúvida acatar tal tutela. Mas, na Pedra do Baú?

• Quem quer ser acompanhado por pessoas mais experientes, que contrate quem quiser, autonomamente; quem quer correr riscos, que seja informado. O que foi feito do livre direito ao risco?

• Por que não se projetam programas de formação de turistas, visitantes, praticantes de montanhismo e escolares com área de visitação preparada como percursos educativos (espaços com fotos e documentos, exposição de materiais antigos usados por moradores e os primeiros escaladores da Pedra…)?

• Por que os governantes de plantão em nosso país, apesar de toda ciência e culturas já disponíveis, seguem a preferir a imposição de leis e normas ao invés de ricos, longos e permanentes processos educacionais?

Desta forma, sou pelo imediato cancelamento da referida Norma por essa estar em explícita e frontal discordância com os (1) fundamentos do montanhismo, (2) da pública e livre visitação aos ambientes naturais e da (3) contraditória imposição de turismo domesticado em ambientes que foram criados com a intenção de manter o patrimônio natural e tê-los como lugares destinados à educação crítica, ambiental, física e esportiva das atuais e futuras gerações.

Guaratinguetá, 10.06.2024

Fabio Alberti Cascino

Montanhista

Guia de Montanha do Clube Alpino Paulista

Membro do Conselho Deliberativo do Clube Alpino Paulista

Eliseu Frechou

Eliseu Frechou

Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.


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3 comments

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  1. Guto
    Guto 12 junho, 2024, 16:42

    Boa! Esse tipo de imposição coloca todo praticante de esportes outdoor no mesmo nível.
    Sabemos muito bem que há muito esportista muito mais preparado que guias credenciados em atividades das mais diversas.
    Isso parece se tornar cada vez mais corriqueiro e acaba que desestimula a prática do esporte em alguns lugares.
    Viu os preços absurdos para se subir na Pedra da Mina em um final de semana? Míseros 270 reais para dormir ao ar livre, sem nenhuma estrutura….só para ter permissão de acessar o local.

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  2. paulo h
    paulo h 12 junho, 2024, 13:50

    Caro Elizeu.

    creio que vc se precipta ao endossar a carta do Fabio em sua pagina. Se vc e os esportes de aventura e montanhistas querem ser levados a sério, é necessário se fazerem de sérios e procurarem informações corretas a cerca das politicas publicas, a cerca das decisões coletivas e dos instrumentos brasileiros de gestão. Pegar carona em Cartas ” Bomba” de oportunistas para abrir frentes antigas de dicussão nos espaços mais amplos que não seja o nicho da montanha não é uma maneira correta de crescermos enquanto sociedade. Não creio que o Fabio seja um oportunista de maneira geral mais, infelizmente esta sendo incorreto quanto a maior parte da Carta. Seria uma carta perfeita para a discussão genérica do assunto (acesso aos picos onde o Estado faz Gestão) mas, neste caso em específico foram 6 meses de discussões publicas com Conselho Consultivo e Comunidade e, então, cabe retratação dos senhores a livre, desiludida e inconsequente replicação desta. Fica Bem, faça o Bem

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  3. Rodrigo R.
    Rodrigo R. 12 junho, 2024, 01:45

    Pensando em voz alta: e se a FEMESP organizasse um grupo de monitores voluntários locais? O MOOC deve dar pra fazer em 2h e uma formação de guia ou monitor voluntário (ao menos pelo currículo da FEMERJ) seria mais que suficiente para equivalência dos demais requisitos conforme o post. Não resolve o problema na raiz, mas pode quebrar as pernas de supostos interesses escusos por trás dessas normativas, o tiro sai pela culatra e ainda poderia “bombar” a federação e a associação local. Se precisamos de atuação das entidades, temos que fortalecer as bases, amarrar as pontas.

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