Enfrentando o Incrível Hulk

Enfrentando o Incrível Hulk

Em setembro do ano passado, o projeto de escalar o Red Dihedral no The Incredible Hulk foi por água abaixo, ou melhor, neve abaixo, devido a uma nevasca fora de época que cobriu a Sierra Nevada com mais de 1 metro de gelo nas partas mais altas, entupindo as fendas e tornando a escalada em rocha, uma escalada mista que não tínhamos o menor interesse em fazer. Daí Ana e eu fomos para Lover’s Leap e outros lugares de altitude menor, onde pudemos aproveitar o final da temporada de 2017 na Califórnia.

No início do ano, o Rogério Jorge jogou a idéia de escalar essa montanha. A Ana relutou em ir pelo terceiro ano consecutivo aos EUA, mas não agüentou a idéia de ficar pra trás e não subir aquele Pedrão. Ahahaha!

Rogério e eu, na subida do Slide Canyon.

Rogério Jorge e eu, na subida do Slide Canyon.

Nos taludes, perto do local de acampamento.

Nos taludes, perto do local de acampamento.

Achamos melhor irmos mais cedo para evitar qualquer possibilidade de tempo ruim e escolhemos agosto, que é um mês quente, mas com poucas chances de nevar. Antes de o Rogério chegar, escalei o Mount Whitney e o Cathedral Peak com a Tatiana Batalha, então eu estava com as pernas e o fôlego treinado, o que dá uma confiança a mais quando se escalada na Sierra Nevada, onde facilmente as montanhas ultrapassam os 3.000m e as aproximações são longas.

Após pegarmos o wilderness permit em Bridgeport, a base para deixar o carro e iniciar a caminhada é um camping em Twin Lakes. De lá, arrumamos as tralhas e partimos morro acima, numa caminhada de 4 horas, primeiro por uma floresta, depois por taludes de pedras grandes, até chegar aos pés da montanha. Há vários lugares abrigados do vento próximos (30min.) da base da via. Água só encontramos 500m distante do acampamento, mas ok.

Levamos uma barraca para duas pessoas, que deixando as mochilas para fora, acomodou nós três perfeitamente, e é um conforto naqueles lugares onde o vento é uma constante.

Acampamento.

Acampamento.

Em baixo, tá todo mundo corajoso, ahahaha!

Em baixo, tá todo mundo corajoso, ahahaha! O Rogério levou o uniforme para esta escalada brutal 🙂

No final da tarde, pudemos ver uma cordada numa via a esquerda da montanha, que teve de descer sem fazer topo, o que nos lembrou que se não fizéssemos cume, teríamos que rapelar abandonando equipamento móvel, já que nenhuma das bases tem grampos.

Após uma noite bem barulhenta com o vento batendo na barraca, acordamos antes do sol nascer e iniciamos a caminhada na primeira luz. Antes da 07h00 estávamos esticando a corda.

Cordada na parede

Cordada na parede da esquerda do Hulk. Dá vontade de escalar, não é?

A descrição da montanha, é que a rocha é a melhor da Sierra Nevada. Na primeira enfiada, já discordei dessa descrição. A rocha é bem mais esfarelenta que Yosemite, Tuolumne Meadows ou Whitney.

Na primeira parada, o radio que havíamos levado e testado no acampamento, começou a dar pau. O vento estava realmente forte, atrapalhando a comunicação. A ideia era de unirmos algumas das 14 enfiadas para ganhar tempo, e o rádio seria essencial. Mas ok, vambora!

A desconfortável segunda enfiada.

A desconfortável segunda enfiada. Muitas roupas, muito frio, muito vento e poucas proteções numa rocha esfarelenta.

A segunda enfiada é tensa. Uma chaminé difícil de proteger, e um trecho com fendas rasas e proteção em peças pequenas. Dá uma fritada na cabeça, pois a movimentação com agasalho e corta vento, no frio e com vento forte, fica mais limitada, e aquela esticada para alcançar um agarrão, nem sempre é fluido. As mãos abriam com dificuldade na rocha fria, e os pés estavam quase sem sensibilidade.

As 09h00 chegamos à base da enfiada do diedro vermelho, que dá nome à via. Montei a parada e acenei pra Ana subir na seqüência. Como sempre, o mínimo de peças móveis que uso em paradas, é quatro. Nessa, coloquei quatro friends e uma nut média, todos devidamente equalizados em duas fendas diferentes. A Ana chegou e se ancorou no mosquetão-mestre. Menos de um minuto após, tomamos um tranco e sentimos pedras caírem em nossos capacetes. Após segurarmos o coração para não sair pela boca, fui ver o que acontecera. Um dos friends, literalmente desmanchou a rocha de um lado da fenda. Caraca! Rocha boa? Jesuis!

 

Rogério, chegando na parada da laca, abaixo do Red Dihedral.

Rogério, chegando na parada da laca, abaixo do Red Dihedral.

Reinstalei o friend e o Rogério fez parada numa laca que já estava laçada com fitas e que eu havia usado como costura, logo abaixo de nós. A sequência do diedro termina em um lance bem aéreo, com uma saída em rochas encaixadas nem um pouco convidativo. O frio e a encanação com a qualidade das proteções naquela rocha, me fez parar algumas vezes e só fazer os lances que eu tinha certeza de que não iria cair. Quem tem, tem medo, não é?

O frio nos castigou até quase o topo, quando o sol virou para o nosso lado, e pudemos passar menos mal, escalando mais rápido do que no trecho inferior.

Ana no headwall da parede, nas poucas horas de sol que pudemos passar menos frio.

Ana no headwall da parede, nas poucas horas de sol que pudemos passar menos frio.

Quase na aresta da montanha. Legal!

Quase na aresta da montanha. Visual alucinante.

Chegamos na aresta da montanha com um lindo sol amarelado. Daí, tínhamos que fazer uma travessia pela parte de trás da parede e escalar mais uma enfiada para chegar ao topo. Essa enfiada é fácil, mas muito suja de terra, terminando numa chaminé estreita onde mesmo que é magro, passa mal para atravessar.

O Rogério veio logo atrás de mim, e a Ana pisou no topo já procurando a headlamp. Achar o rapel e o caminho de descida no escuro e com um vento que vinha em rajadas violentas, foi uma tarefa que nos custou algumas horas de sofrimento, quando já estávamos com as baterias arriadas – e a mim, uma laringite que me estragou o humor pelo resto da trip. Principalmente pelo que, não pude tomar todas as cervejas que gostaria 🙁

Conversamos com algumas pessoas e acabamos por descobrir que várias cordadas já desistiram de escalar a montanha devido ao vento e frio. Para nós não era uma opção poder voltar tão facilmente quanto quem mora nos EUA e já que a nevasca no ano anterior não nos deixou escalar, este ano queríamos realmente escalar a parede e finalizar a tarefa. Foi bem mais sofrido do que esperávamos, pois além da condição climática desfavorável, escalar em três torna a ascensão bem mais lenta. De qualquer modo, pensando melhor agora, em casa, valeu bem a pena enfrentar a friaca.

Agradecimentos às marcas:

DEUTER – Mochilas e sacos de dormir

SOLO – Roupas e agasalhos

TENAYA – Sapatilhas

TRANGO – Costuras, proteções e freios

SEA TO SUMMIT – Sacos estanque e acessórios de cozinha

CAMELBAK – Garrafas e térmicas

Eliseu Frechou

Eliseu Frechou

Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.


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