Mont Blanc 1 x 0 – Alpes 2014
A sabedoria diz que, antes de nos metermos numa roubada, o melhor é sempre perguntar pros amigos que entendem da matéria pra, pelo menos, conseguirmos sair da encrenca, se ela for grande demais.
Nas últimas semanas, tenho conversado e colecionado relatos de amigos que foram ao Mont Blanc, para saber como seria a empreitada e o processo todo de escalar em gelo, que para mim é novidade.
As pessoas escalam montanhas, mas tanto a experiência delas, como as próprias montanhas, mudam com o tempo. O lance é que ao conversar com quem vive a alta montanha, sempre um amigo (a) vai te dar uma dica diferente do outra (a), o que no final vai ser somado e te dar as infos necessárias para enfrentar o desafio.
A primeira questão a ser esclarecida, é que, como somos pangarés em alta montanha, a escalada não poderia ser técnica. Ok a altitude, ok a resistência e o bem ok enfrentarmos o frio. Mas aprendizado de escalar bem no gelo, demoraria um tempo (e uma grana aqui na Europa) que não disponho.
As vias Normais do Mont Blanc são tranquilas dependendo das condições climáticas. A travessia dos três montes foi descartada no dia que fomos para a Aiguille du Midi e o Fernando não se adaptou bem a altitude, então escolhemos a rota mais curta para ficar o menor tempo possível na zona de desconforto.
Na terça-feira passada, fomos logo cedo para o abrigo Tête Rousse, que fica a 3.187m, saindo andando do Nid D’Aigle, que é uma estação de trem turística que fica a 2380m. A caminhada é de umas 2-3 horas, dependendo do seu pique.
Chegamos cedo no abrigo, que é bem bacana, mas muito cheio de pessoas que vão… escalar o Mont Blanc! Mais acima de nós, há outro abrigo o Gouter, que é bem bacanão mas estava sem vagas. Nem dormimos, com uma galera acordando e roncando a noite toda. As 00h50, levantamos assustados com o furdunço e resolvemos dar linha pra cima. O abrigo serve um café-da-manhã bem fraquinho, mas como a fome nem era tanta àquelas horas, nem nos incomodamos.
A caminhada até o Goûter levou quase tres horas no escuro. A trilha sobe um morro cheio de pedras soltas e chão congelado. Fazer esse rolê de crampons foi sacanagem. Chegamos no abrigo, colocamos mais roupas, pois sentimos que a partir daí a escalada seria por uma crista onde o vento batia mais forte. Tentamos comprar água, mas a cozinha estava fechada. Tínhamos um pouco de água ainda e como estávamos levando um fogareiro para cozinhar um almoço quente, nem nos preocupamos. A partir dos 3.800m a via Normal segue pelo gelo, mas é tranquilo, apesar de puxado. Nessa parte, o Fernando já começou a sentir dor de cabeça forte. Caraca! Fui tocando pilha nele, pedindo para ele andar mais devagar ao invés de parar, mas o brother estava ruim mesmo.
Com o vento forte jogando gelo na nossa cara, colocamos os anoraques e seguimos a trilha marcada no gelo, cada um com seus pensamentos. O amanhecer foi lindo, colorido, e a neve, nunca vi mais branca. Curti respirar o ar frio, sentir o toque dos flocos de neve no rosto, sensações que eu não conhecia. Parecia uma realidade paralela. Estava viajando mesmo, feliz de estar ali. Enquanto o Fernando descansava, não perdia tempo e fotografava o máximo que podia, mas como o vento trazia muita neve, fiquei com receio de que a câmera travasse no frio ou as lentes sujassem demais com a neve.
Ao chegar no abrigo Vallot a 4362m e já na encosta do Mont Blanc e quase na crista final, o parceiro sentiu o peso da altitude. Derreti neve, tomamos água e fiz um rangão pra animar, mas não adiantou. Eu devo ter alguma facilidade com a altitude, pois estava me sentindo bem, só o cansaço normal da puxada até aqui. Esse lance de altitude varia de pessoa para pessoa, umas vão bem, outras mal, e as vezes não tem a ver só com treino, é biológico. Se bem que na real, nem aclimatamos corretamente. Mas não havia o que remediar ali, no meio da neve. A tentativa havia sido feita e estávamos cientes de que deveríamos ter ficado mais tempo numa altitude acima dos 3mil para nos acostumarmos.
Bem, nunca foi nem será meu estilo abandonar amigo na montanha. Eu vim para Chamonix para aprender algo novo, mas se há uma coisa que eu já aprendi há tempos, é que meus amigos são minha responsabilidade. O jogo é de equipe. O dia estava perfeito, sol, sem vento forte. Uma galera já estava no cume. Deu vontade de ir lá? Deu. Mas quem sabe outro dia, noutra situação. Agora o Fernando precisava descer e foi isso o que fizemos.
A caminhada de volta foi bem tensa, pois como a temperatura havia aumentado, o gelo que segura as pedras soltas no trecho entre os abrigos estava derretendo e as pedras caiam sem parar. Havia muitos guias franceses levando grupos de 2-3 pessoas para dormir no Goûter e tentar o Mont Blanc no dia seguinte. Com tanta gente acima e abaixo de nós, esta mais de hora de descida foi bem adrenante.
Ao chegar no Tête Rousse, pegamos nossas botas de trekking, pois ninguém merece andar de bota dupla e seguimos montanha abaixo, por mais quase 2 horas. Tudo deu certo, e conseguimos pegar o último trem de volta a Saint-Gervais les Bains e voltar para Chamonix, evitando ficar mais uma noite no abrigo. Estávamos bem cansados, desidratados, mas menos ignorantes na faceta da escalada chamada alta-montanha. Acho que vou tentar subir mais uns sorvetões brancos nos dias que me restam aqui, desta vez na companhia da Ana, que chega domingo 😉
Eliseu Frechou
Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.
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