As rochas de Chamonix – Alpes 2014
O motivo da viagem à Chamonix e não à qualquer outro destino de rocha quente da Europa, foi aprender um pouco de como é escalar em gelo, e assim, ampliar o leque de opção para paredes nas próximas viagens. Tenho escalado rocha por mais de 30 anos, então já era hora de colocar um par de crampons aos pés e ver como é andar sobre água congelada.
Como escalar nas montanhas geladas de Chamonix é sempre uma atividade extenuante – e cara, pois os teleféricos custam 56 euros/dia – intercalamos algumas escaladas em rocha para também aproveitarmos o gnaisse francês.
GAILLANDS >>>
Por indicação do guia de escaladas do Vale de Chamonix, o lugar mais próximo do centro da cidade é Gaillands, uma falésia, que segundo nos contou o Jean-Claude Razel, é o primeiro campo-escola do mundo, equipado na década de 30 pelos guias franceses, com o intuito de terem um lugar seguro e de fácil acesso para levar seus clientes.
O lugar realmente é bem tranqüilo, e a grampeação toda em ordem, com grampos químicos, instalados a pouco tempo pela Compagnie des Guides de Chamonix. A rocha é boa, mas muito polida pelas décadas de uso pelos escaladores. Há diversas cicatrizes de pitons nas fendas, o que dá um ar de sitio histórico à falésia. Não vimos muitos escaladores mandando as rotas difíceis, mas haviam nas duas vezes que fui lá, uma vez com o Fernando e outra com a Ana, muitos iniciantes e instrutores dando curso básico. A visita vale a pena, pois a caminhada desde o centro da cidade é de menos de meia hora. Também pode-se ir de ônibus, que custa 1,5 euro.
BRÉVENT >>>
A primeira rota de várias enfiadas que escalamos, foi uma via bem tranqüila nas rochas fraturadas do Brévent. Lá, o teleférico custa mais barato, e junto ao Fernando, fiz uma rota de 5 pequenas enfiadas entrecortadas com platôs chamada Crackolais. Depois fizemos umas rotas esportivas na parede que se rapela no final da via. Essas esportivas eram bem bacanas, girando em torno do 6° e 7° graus.
Com a Ana, tivemos um dia bem ensolarado quando ela quis conhecer o Brévent e entramos numa via mais longa chamada Frison-Roche. A rota é só alegria. Várias agarras, poucos trechos de grampeação distante e dois diedros bacanas pra terminar. Levamos uma corda de 70m e conseguimos emendar a segunda e terceira enfiadas em uma apenas, ganhando tempo e distância de uma cordada de babacas que colou em nós e quase derrubou a Ana na segunda enfiada. Nos lugares mais frequentados, o pessoal vai colando e passando por cima mesmo, na maior falta de educação às vezes, e gerando situações de risco. Então tome cuidado quando estiver escalando em lugares populares.
AIGUILLE DU MIDI >>>
Gastón Rebuffat foi um dos maiores alpinistas e escritores de montanha franceses dos anos 40 e 50. Conquistou várias grandes montanhas com Lionel Terray e Louis Lachenal. Guia profissional, depois que se aposentou, trocou a atividade de montanha pela literatura, fazendo enorme sucesso no cenário alpino e escrevendo guias de escalada que são usados até hoje.
https://www.youtube.com/watch?v=hBjbkCNbvJk
Uma das suas vias mais famosas, é a que leva seu próprio nome, no centro da Aiguille du Midi, que faz frente ao Valle Blanche.
Ana e eu acordamos cedo, preparamos um rack bem enxuto, pois já que teríamos que escalar de mochilas levando as botas duplas de gelo, poucos agasalhos e equipamentos fotográficos, qualquer peso a mais nos custaria bastante esforço.
Descemos a famigerada aresta do teleférico (pausa para reclamação). Meu! Tive muito medo nessa aresta. É um fio onde só cabe um pé por vez. Piramba para todos os lados. Medo de tropeçar nos crampons, medo de a neve fofa escorregar e os crampons não segurarem, medo da bagaça toda desabar, pois em alguns trechos andamos em uma espécie de onda congelada. Concentro em cada passo, lembrando de abrir as passadas para não tropeçar, e usar a piqueta para trás, como a Lisete e o Barretta me falara, para caso cair, me virar e cravá-la no gelo. Vixi! É duro as vezes não perder a dignidade e rastejar de cavalinho pela aresta. Quipariu! Essa insegurança se deve à nossa falta de destreza no ambiente. Com certeza tudo ali é mais estável do que me parece, mas ok. Medo faz parte. A Ana vai de boa, rápida e tenho que pedir a toda hora pra ela não acelerar. Pelo menos uma pessoa da cordada tem que manter o controle, ahahaha. Felizmente toda desgraça tem fim e chegamos em terreno firme.
A meio caminho do Abrigo Cosmiques, entramos na face rocha da agulhona. Lindo! Rocha avermelhada, fendas perfeitas. Eba! Sapatilha e terreno que a gente conhece bem. Tô em casa nesse granitão. Os friends vão entrando perfeitamente nas fissuras, comprei uma luva de borracha para substituir o esparadrapo e a danada funciona muito bem. Agora sim!.
Na primeira enfiada, enquanto nos equipávamos, uma dupla inglesa nos cortou por uma rampa de gelo e chegou na parada primeiro. Ok. Espertões… Vim aqui para escalar e não chegar primeiro que vocês. Quando chego na base, os caras até parecem bacanas, troco uma idéia e sigo a guiar a segunda enfiada, quase encostando no segundo escalador deles que está bem devagar. Quando nos preparávamos para escalar a terceira enfiada, noto que os figuras começaram a preparar a retirada, com papos que a Ana flagrou de que, “ali, naquela rota, naquele rapel, haviam morrido dois escaladores no rapel, ano passado“. Oi? Que papo estranho. Enfim, algo afetou o psicológico dos figuras, que até 1 hora atrás estavam acelerando. Azar deles. A montanha agora é nossa! E para nós, tudo está ok. Ahahaha.
Seguimos nos guiando pelo croqui que não é bem específico, mas como o terreno é fácil, em torno do 6° grau, vamos tocando no karatê, quer dizer, escalando pelas fendas. Escalada rápida, mas prazerosa. Nesse dia eu dei uma vacilada e fui com poucos agasalhos e passei bastante frio até o meio do dia, quando o sol começou a realmente esquentar. Se o céu nublasse, seria bem difícil escalar.
A grampeação da via é nova e em apenas uma base, havia apenas uma chapeleta. Havia dois parabolts, mas apenas um com chapeleta . O resto eram todas bases duplas com chapeletas de 10mm de inox. Bombproof 🙂
Na 9ª. ou décima parada eu me perdi. Saí numa base onde havia uma chaminé cheia de cunhas de madeira e bem aberta para fora de um lado, e uma parede com chapas novas em frente. A Ana chegando, resolvo desescalar um trecho fácil e acho uma canaleta de gelo e blocos que parecem fáceis de serem dominados. A via original termina sem fazer topo, no que seria a 9a. parada, assim dá para rapelar pela face. Mas nossa idéia é subir até o topo e rapelar pelo lado da estação. Então tá valendo. Sigo, chego numa área onde encontro dois trabalhadores da empresa que opera o teleférico e estão numa base, cheios de materiais, tocos de madeira e equipamentos da obra. A empresa concessionária do teleférico está ampliando a construção do topo e os trabalhadores estavam colocando uns cabos de aço naquela ponta da rocha. Falo com eles se posso ficar na base e eles simpaticamente dizem que sim, desde que saiamos de lá rápido. Me dizem para usar uma corda nos 7 metros finais, evitando estarmos lá quando eles tiverem de subir. O trecho é um 4° grau, demora mais prussikar que escalar, mas Ok. Estamos na área dos caras e nossa via terminara 60m abaixo. A Ana chega, e junto dela uma névoa bem espessa e flocos de neve. Subimos a corda, e chegamos na base de rapel que dá para a estação. A Ana rapela primeiro, tendo que andar no gelo de sapatilha para alcançar o beiral da estação. Desço rápido também, colocamos tudo desesperadamente nas mochilas e sigo descalço no chão congelado para o teleférico. Estávamos encanados com o tempo, pois estavam a todo momento avisando para os turistas se dirigirem à saída… mas chegamos mais de uma hora antes da saída do último bondinho. Pow!
VALLORCINE >>>
Depois de a Ana e eu termos feito uma travessia do Plan des Aiguilles até Montenvers e movidos pela pão-durisse de não pagar uma grana razoável no trenzinho até Chamonix, ficamos exaustos e procuramos uma opção de falésia que não precisássemos andar muito. Consultamos o Oráculo, quer dizer, guia de escalada, e achamos a opção Vallorcine, uma cidade a cerca de 40min de trem, quase na divisa com a Suíça. Parecia ótimo.
Tá… o lugar, quando chegamos, pareceu até bem legal. Floresta cheia de musgos e tudo muito verde, falésia com fendas… mas as vias, bem, deixavam um pouco a desejar. O granito é bem sujo de liquens e pouco inclinado. Ponto positivo para a grampeação que é bem segura. O cansaço do dia anterior me bateu no corpo, mas a Ana escalou várias vias antes de encher de escaladores na base e resolvermos ser hora de ir embora, pois no dia seguinte, a missão era o Mont Blanc do Tacul, para acabar de vez com as pernas e fecharmos as mochilas para voltarmos para casa. Mas essa já outra história.
Eliseu Frechou
Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.
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