Escalada Artificial – Entenda a graduação
Sua última proteção está quase 30m abaixo, e sua corda que parecia bem grossa e adequada para escalada em grandes paredes, agora está mais para um fio de espaguete balançando no vazio. Um cliff aguenta seu peso apoiado numa pequena laca de pedra que para ser sincero, você nem acredita como aguenta seu corpo. Você sente aquele gosto amargo na boca e tenta dividir a decisão sobre como progredir com o companheiro, que está na base, 45m abaixo, tão apreensivo quanto você. A segurança da próxima parada está próxima, mas as colocações até ela, podem fazer a diferença entre o alívio ou uns ossos quebrados.
Antes de você se ver numa roubada por que achou que A via de A3 “deveria ser tranquila”, entenda como funciona a classificação das escaladas artificiais
São frequentes as dúvidas de escaladores com relação a graduação de vias em artificial. Comumente, muitos confundem os equipamentos usados, com a escala de grau.
Escalada Livre – A escala de graduação em livre, conta apenas a dificuldade técnica, sem levar em conta a exposição ao perigo. A não ser que após o grau em livre, exista a complementação da classificação de Exposição, que é a letra E, seguida de números de 1 a 5: E1 (escalada segura, geralmente vias esportivas), E2… até E5 (enfiada inteira com proteção ruim ou inexistente), o grau de 1° até 11a da via dimensiona apenas o esforço físico que o escalador precisará dominar para passar o trecho. Portanto, uma via de 3° grau, pode ser muito mais perigosa que uma de 8°, se o escalador levar em conta apenas esta classificação e não souber se a via é bem, mal, muito ou pouco protegida. Outro fator a se levar em conta, é que mesmo na classificação E, leva-se em conta, que o escalador tenha a perícia necessária para instalar corretamente as proteções, pois caso contrário, uma vis de E3, pode se transformar facilmente em E4. Todavia, esta classificação não é muito difundida, e muitos Manuais de Escalada preferem descrever em forma de texto o tipo de perigo que a escalada oferece: proteções fixas distantes, rocha podre, lacas expansivas…, o que acaba sendo muito mais interessante.
Classificação Artificial – Na escalada A (do inglês Aid), que começa no A0 (uso de ponto de apoio de qualquer natureza dentro de um lance predominantemente em livre) mas que interessa mesmo de A1 até A5, o que muda é o perigo que determinada enfiada reserva ao guia de cordada. Não importa o tipo de proteção, importa o tamanho da queda e se o escalador vai bater em platôs, cair diretamente no chão, ou qualquer outro infortúnio, antes de a corda retesar.
O que é um A0?
A0 é um lance isolado numa via escalada em livre que em algum momento, por falta de agarras, ou dificuldade de algum movimento, o guia faça uso de um ponto de apoio (grampo, nut, friend…), para “roubar” no trecho e depois voltar a escalar em livre. A classificação A0 é dada apenas para lances pequenos, onde não há a necessidade do uso de estribos. Mas se o escalador usa um grampo, nut, friend, tensão de corda, árvore… como ponto de apoio, tanto importa.
E um lance de A1?
Muitos escaladores já me perguntaram: “vou escalar a via do “Teto do Baú”. Aquele A0 é difícil?
A via do “Teto do Baú” é um artificial de mais de 40 grampos. Grampos não saem da rocha (pelo menos não deveriam sair, ahahaha), portanto, já que existe uma sequência no uso de estribos, mas é um trecho seguro, esta via é classificada de A1. Se a mesma via fosse em proteção móvel, e as colocações fossem seguras, o grau permaneceria inalterado.
A5, o limite.
A partir do A1+, o que conta para aumentar o grau, é o risco de queda, baseado na qualidade das proteções ou ausência delas. A partir do grau A2, os trechos sem boas proteções começam a aumentar, num trecho de A4, por exemplo, a enfiada pode ter de 35 a 45 metros de proteções que só agüentam o peso do corpo do guia, e em caso de uma delas falhar, a queda potencial, pode ultrapassar os 80m.
O grau máximo é o A5, quando a enfiada inteira tem proteções ruins, nenhuma proteção fixa, além de não permitir furos de cliff. Numa escala onde o que conta é o perigo, o A5 seria um trecho que se o guia cair ao final, faria um zíper arrancando todas as peças e certamente morreria devido a severidade da queda.
Classificação C
A escala americana de artificial que é usada em todo o mundo, exceto na Austrália, ainda tem a classificação C (de Clean) para enfiadas em artificial onde não são usados pitons ou proteção fixa. Quando isso acontece, pode-se ao invés de usar a letra A, substituí-la pela letra C. Assim um trecho de A2 feito com estribos no qual o escalador usou apenas nuts ou cliffs ou friends e não martelou nada, pode ser classificado como C2. Outra situação que devemos levar em conta, é que muitas vezes um piton fica tão bem instalado que oferece uma boa proteção (mas danifica a rocha), e se neste caso, pode-se substituí-lo por uma micro-nut, que aguenta muito menos, podemos aumentar propositalmente o grau desta enfiada. Um exemplo clássico é a primeira enfiada da via “Zodiac” no El Capitan. Se o trecho for escalado usando pitons, o grau é A2+, mas se você não bater pitons, terá conseguido passar um C3.
Como já mencionei acima, esta classificação é baseada na experiência e perícia de escaladores que dominam as técnicas do artificial e colocam as proteções com maestria. É também uma classificação um tanto subjetiva, pois há dias que acordamos mais medrosos e outros mais corajosos. Mas não deixa de ser um parâmetro para que saibamos se teremos pela frente um trecho tranquilo, ou um no qual vamos fritar o cérebro na adrenalina.
Eliseu Frechou
Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.
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