Mount Whitney – EUA 2016
Havia 10 anos que não visitava Yosemite. Após uma série consecutiva de ida à Yosemite, resolvi levar o equipamento para passear em outras paragens. Mas no início deste ano a saudade do cheiro dos pinheiros bateu. A Ana não conhecia a Sierra Nevada e o Fernando topou escalar o Mount Whitney, ponto culminante dos EUA continental (fora o Alaska).
Ficou acertado que o Fernando e eu iramos para o Whitney, e uma semana depois, o Fernando teria que retornar ao Brasil e a Ana chegaria para escalarmos em Yosemite.
Então Fernando e eu partimos para o primeiro objetivo da minha trip, que era o Whitney de 4.500m de altitude. Para entrarmos na zona dos 4.000m americanos, seria necessário conseguirmos um wilderness permit na estação Ranger de Lone Pine. Gastamos dois dias e bastante paciência para conseguir entrar no parque. Há um agendamento eletrônico que a pessoa pode fazer e se ela não aparecer no dia, até 11h00, a vaga é liberada. Ruim, pois muita gente fica na fila de espera de permissões que foram concedidos para outros que não tem o cuidado de cancelá-la ao não decidir mais fazer a viagem.
Com a permissão em mãos, partimos para o parque e acampamos na área reservada, para iniciarmos a aclimatação e já adiantarmos a saída no dia seguinte. O acampamento fica a mais de 2500m de altitude, que para quem sai de Lone Pine, quase na depressão californiana, e portanto próximo ao nível do mar, já é bem alto. A estrutura deste camping é bem básica, apenas estacionamento, lugar reservado para a barraca, égua, mesas para cozinhar e um armazém que vende alguns itens e faz refeições, mas sem chuveiro e com banheiro seco. Enfim, é o que tem disponível, e melhor que ter que dormir em Lone Pine e dirigir mais de 1 hora no dia da aproximação.
Em 2006 escalei o grandão com o Wagner “Guinho” Pahl em dois dias de correria. Lembrava que a trilha é pesada, e constatei o mesmo este ano. São mais de 5 horas de caminhada realmente íngreme e cheia de degraus que destroem os joelhos se você estiver com a mochila pesada, principalmente na volta.
Partimos pesados para subirmos num dia, acamparmos na base e no dia seguinte escalarmos o West Butress de manhã e descermos a tarde.
A paisagem vai mudando muito a medida que subimos. A região de Lone Pine é desértica e o vermelho toma conta do visual. A área do camping, até o lago Lower Boy Scout é de pinheiros grandes e com sombra, a partir daí, passando pelo Upper Boy Scout lake, as árvores desaparecem, e o cinza das pedras vai gradativamente dominando.
Cheguei ao acampamento base passando mal de fome. Montamos a barraca para nos abrigarmos do sol forte e o Fernando fez um macarrão para recuperarmos as forças. Nesta noite, um montanhista americano parceiro de um argentino gente finíssima que escalariam a West Face no dia seguinte, passou muito mal a noite toda, vomitando horas, devido a altitude. Ficamos bem chateados, pois os caras eram de Seattle e haviam nos contado que era a segunda vez que tentavam, sendo que da primeira, o mal de altitude os forçou a descer.
Acordamos no lusco-fusco e nos agilizamos, já imaginando o dia cheio que teríamos pela frente. O Fernando amanheceu com o rosto bem inchado, o que me assustou. Ele me garantiu estar bem, apesar da dificuldade de fôlego da altitude e assim iniciamos a caminhada para o início das 12 enfiadas que nos levariam ao topo.
A escalada é tranquila tecnicamente, não passa do 4° ou 5° grau, por mais que você vá pelo caminho mais reto e curto. Um dos crux é que o senso de orientação do guia deve ser boa, pois há muitos trechos confusos para se perder e como não há nenhuma proteção fixa em toda a escalada (isso mesmo! Tudo em móvel), é bom se manter no caminho. As fendas são abundantes, então há caminhos naturais para todos os lados. Mas muitas fendas terminando em lugares complicados de sair. Melhor pensar bem antes de acelerar pra cima na primeira fenda que achar bacana. Escalamos com luvas, pois o granito é abrasivo e destrói as mãos.
Neste tipo de ambiente alpino, prevalece um estilo de escalada no qual você improvisa bastante, usando principalmente a proteção natural, fazendo ancoragens e bases em bicos de pedra e blocos. Levamos um jogo de friends e outro de nuts, mais uns tcu’s, o que dá e sobra. A medida que subimos a montanha, o visual vai se abrindo e podemos ver o vale onde está Lone Pine, a estrada, os montes mais altos da Sierra Nevada e as montanhas que dão acesso ao Death Valley. Um mundo mineral se descortina, com raras exceções, como a área do Owen’s river, que corta o vale é verdinha. O restante ou é vermelho do deserto, ou cinza do campo de altitude.
O terreno é fácil, e eu me lembro vagamente da ascensão de 2006 e assim vamos ascendemos rápido. Em menos de 6 horas, estávamos pisando no cume.
A descida deve ser tão cuidadosa quanto a subida. O caminho é por uma via chamada Mountaineer’s route. É uma caminhada, mas cheia de pedra e blocos soltos muito grandes. É bem fácil tomar um tombo e ir parar todo quebrado – ou morte – centenas de metros abaixo.
Demoramos para descer. O Fernando estava bem inchado e respirando mal devido a altitude. Nesses casos é bom não forçar ou a situação pode ficar feia. Resolvemos dormir mais uma noite no acampamento base, onde encontramos o escalador americano um pouco melhor e planejando escalar o Whitney no dia seguinte se conseguisse dormir bem, o que de fato aconteceu. Nada como ter tempo para aclimatar.
No dia seguinte, comemos o pouco de comida que nos restou e descemos lentamente para o carro, que atingimos no início da tarde.
Eliseu Frechou
Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.
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