Via Ferrata no Itabira, ES ?
Half Dome (Yosemite, EUA), Grande Civetta (Dolomitas, IT), Pedra do Baú (Serra da Mantiqueira, SP) tem em comum impressionantes vias ferratas, que possibilitam a democratização do montanhismo. Essas obras de engenharia tornam o esporte inclusivo à pessoas que com pouco conhecimento técnico, conseguem subir essas montanhas e assim deslumbrarem-se com as vistas e sentirem-se como os escaladores que alí chegam. Sim… mesma sensação dos escaladores, pois afinal, a aventura e seu sentimento de superação residem de forma e intensidade diferentes em cada um de nós. E antes de mais nada, via ferrata não é via de escalada, é uma modalidade do montanhismo, e deve ser respeitada. Portanto, não há a mínima razão para querer impor regras ou éticas da escalada numa via ferrata.
Se alguém achar que a sua forma de se relacionar com o esporte é a única válida, é no minimo… egoísta. E se alguém usa o bondinho do Pão de Açúcar para descer da montanha após uma escalada, e está se posicionando contra as vias ferratas, é no mínimo hipócrita.
Na Itália e na Espanha, existem livros e guias específicos para as ferratas, equipamentos próprios destinados a modalidade, que inclusive atrai em muitos locais, mais montanhistas e turistas interessados nessa modalidade, do que escaladores.
A conversa no jantar de outro dia aqui em casa, foi uma crescente indignação dos escaladores do ES e RJ na forma de cartas de repúdio, sobre a construção de uma via ferrata no Pico do Itabira, em Cachoeiro do Itapemirim, ES. Recebi um convite para assinar a tal carta, vinda, vejam só, de uma pessoa que tem várias fotos em seu perfil, subindo vias ferratas na Europa. Lá pode, é bonito. Aqui não pode.
Minha opinião sobre vias ferratas? A favor e acho que deveríamos ter mais delas no Brasil. Por que? Por que nós, escaladores, não somos os únicos com direito ao acesso às montanhas. Montanhas são um patrimônio da humanidade e não um bem dos montanhistas. E quem não estiver a vontade com o fato de ter que compartilhar o espaço com pessoas mais simples, menos preparadas técnicamente, que procure outras montanhas mais distantes e inóspitas. Mas voltando à tal carta de repúdio, sinceramente, todos os argumentos contra a construção da via ferrata, podem ser usados como forma de inibir a escalada, e vejo isso como um enorme tiro de calibre 12 no nosso pé. Escaladores movem pedras, derrubam vegetação, abrem trilhas e picadas, usam estradas abertas por tratores e asfaltadas para chegarem aos seus destinos esportivos. Aliás, qual escalador já não usou uma via ferrata para subir ou descer de uma montanha?
Fato é que o egocentrismo e a arrogância estão enraizadas no montanhismo de tal forma, que ser contra determinada opinião, verdades absolutas e imutáveis de certos escaladores, te faz parecer ser contra o próprio montanhismo.
Minha experiência com as ferratas sempre foi bem feliz. As escadas da Pedra do Baú, construídas em 1940 pelos irmãos Cortês de São Bento do Sapucaí, possibilitaram que eu levasse meus filhos desde cedo aos 5 anos de idade, até topo dessa imponente muralha rochosa, 4 anos antes deles terem podido ascender a montanha por uma via de escalada.
Por que não no Itabira?
Mais uma vez voltando a polêmica do Itabira, qual a minha surpresa quando os dois proprietários das terras abaixo do Itabira (e financiadores da obra, que em nenhum momento feriu a ética do montanhismo ou passou por cima de alguma via de escalada), adentraram pela porta de casa. Como foi a conversa? Bem, como toda discussão tem 2 lados, conheça agora a versão dos proprietários nas palavras deles próprios, em relação a tal carta e aos ataques e denúncias que vem sofrendo:
Eliseu Frechou
Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.
Related Articles
Profissão Montanhista EP 1
No 15 de novembro a websérie “Profissão Montanhista” estreiou no meu canal do Youtube. Foram necessários 14 meses de captação
Pão de Açúcar – Escalada x Tirolesa ?
Na última semana, fui procurado por cinco pessoas para que fizesse coro num abaixo assinado contra a instalação de uma
Pedra da Divisa – Respeite ou será banido.
O segundo principal point de escalada de São Bento do Sapucaí, logo após a Pedra do Baú, e que provavelmente
O mais hilário nessa discussão, é ver figuras que apoiaram e até encabeçaram a tal carta de repúdio a via ferrata, fazendo selfies e posando hipócritamente em outras vias ferratas pelo mundo.
Também é lastimável que escaladores que se dizem a favor de práticas de inclusão e outras modas, se acharem donos das montanhas, onde só as vias de escalada tem direito de existir (muitas delas variantes de outras, mas como são vias de escalada, tudo bem passar por cima, cruzar ou colar em outras pré-existentes). A regra é clara na cabeça dessas pessoas: fora slickline, base junping, tirolesas… acesso à montanha é só para escalador. Temos também como prerrogativa exclusiva, abrir vias perigosas pois elas existem para a nossa evolução psicológica. E se alguém se machucar ou morrer? bem… “não deveria estar lá, esse despreparado”. Vergonha.
Nós, somente nós nobres escaladores, temos o direito de derrubar vegetação rupestre para abrir novas vias, modificar a rocha jogando blocos soltos para baixo, instalar grampos de proteção, usar magnésio. Direito ao acesso? Só quem é da minha turma.
A arrôgancia e prepotência de muitas pessoas é o que fecha lugares maravilhosos para a escalada.
Pessoal, menos dedo na cara dos outros, e mais senso de comunidade, humildade, inclusão e respeito a quem pensa diferente. A escalada já é um esporte difícil em diversos aspectos demais para que dogmas excludentes atravessem décadas sem serem revistos.
Embora as vias ferratas tenham origem antiga, é um equívoco pensar que são uma etapa anterior e ultrapassada da escalada. A leitura do site da UIAA, permite ver que há investimento atual nas ferratas e categorizar como uma atividade separada da escalada. Parabéns Eliseu por abrir espaço ao diálogo e instigar a se ver as coisas por vários pontos de vista, quando muita gente que deveria fazer isso, apenas estimula a intolerância.
Nelson, obrigado pelo comentário e entendimento de que aqui não está em discussão apenas uma via ferrata em particular, e sim o dever de ouvirmos todas as partes antes de julgarmos uma questão, e procurarmos ver os pontos de vistas alheios, agndo com justiça e tolerância, pois a montanha deve ser um espaço democrático. A UIAA, os europeus, americanos… já entenderam isso há décadas, mas aqui ainda falta muito o que trabalharmos nesse sentido.
O contra ponto dessa matéria é que O ITABIRA É UM PARQUE/ UNIDADE DE CONSERVAÇÃO CONFORME LEI ABAIXO. O SEU REDOR FOI DESAPROPRIADO. CABE A SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE MUNICIPAL AUTORIZAÇÃO PARA ESTRUTURACAO DE EQUIPAMENTOS NESSE PORTE. E ISSO NAO FOI FEITO.
https://leis.cachoeiro.es.gov.br:8081/…/D61591988.html…
https://leis.cachoeiro.es.gov.br:8081/…/L61772008.html
Já tivemos 2 parques no passado fechados pelo órgão de meio ambiente devido esses tipo de atitude e vias. Graças a ACE podemos hoje escalar esses dois pontos, Pedra Azul e o Forno Grande devido sua articulação, adaptação e manutenção das vias para padrões de mínimo impacto.
Roberto, por favor explique (sem texto em maiúsculas, pois parece que você está gritando) como em um lugar que foi desapropriado, as pessoas ainda estão morando e operando empresas? Talvez a sua informação esteja errada, ou as indenizações ainda não foram pagas e portanto a desapropriação não aconteceu. Ou o lugar (MoNa não é Parque, ok?) aceite a permanência da população e a operação desta categoria de empreendimento que o Ezequiel e a Sandra fizeram. Fato é que se está tudo errado conforme você descreve, o cenário seria outro. As leis que você cita são antigas, e pelo próprio texto, já se nota que tiveram modificações. adequações… Então seria sadio que você procurasse saber de maneira imparcial, em que pé está o MoNa, e em que a ferrata fere (ou não) o Plano de Manejo, e nos trouxesse respostas para as perguntas acima, embasando o seu texto de forma menos genérica.
Na cidade onde moro, existe o MoNa Pedra do Baú. Aqui não houve desapropriação, muito menos conflitos com os empreendimentos (restaurantes, agências de turismo, escaladores profissionais). Aqui as pessoas moram e plantam embaixo da Pedra. Escaladores escalam, turistas sobem pela ferrata. Em perfeita harmonia? Lógico que não, mas os canais de comunicação entre Poder Público (Prefeitura, Fundação Florestal) e sociedade (moradores, empresários e esportistas) funcionam e temos tido um significativo sucesso.
É muito importante a atuação das entidades do montanhismo como a ACE, na garantia de acesso aos locais de escalada, tanto quanto na manutenção de um bom entrosamento com os proprietários e população local.
O Luciano expos TUDO sobre essa atrocidade. E falou com propriedade de causa.
Boa Luciano!!!
Que Deus abençoe e proteja todos escaladores e entusiastas
Concordo com os argumentos apresentados pelo Luciano.
Que fique claro que o manifesto apresentado pela ACE não foi um manifesto contra vias ferratas em geral, mas um manifesto ante aquele episódio específico.
As vias ferratas citadas, como os exemplos das Dolomitas, Half Dome e Bau, representam outra epoca do montanhismo, e são parte da historia da evolução do esporte.
Em contrapartida, a construção da via ferrata no Itabira representa uno mínimo m retrocesso à evolução das práticas de mínimo impacto. Além disso, a face onde a via foi instalada é no mínimo desafiadora, são mais de 300m verticais. Será que esta via não irá representar uma falsa sensação de segurança ao potencial público de destino?
Independente de opiniões contrárias, parabéns por abrir um canal de discussão do assunto à opiniões divergentes. Se estamos discutindo o caminho do nosso esporte, isto já é uma evolução.
Concordo com boa parte dos argumentos elencados pelo Eliseu Frechou e também não sou de todo contra as vias ferrata, desde que sejam observadas e respeitadas diversas outras condições adjacentes. Vale ressaltar, entretanto, que as vias ferratas, tanto de outros países quanto as do Brasil, foram instaladas em outros tempos. Na Europa, por exemplo, surgiram como estratégia bélica, para facilitar o acesso de soldados. Aqui no Brasil, surgiram como meio de transposição ao que era intransponível naquela época.
No caso específico do Pico do Itabira, essa via, SIM, feriu princípios éticos do montanhismo, inclusive princípios de mínimo impacto, conforme explico abaixo. Mas, antes de qualquer comentário, para que se possa falar com propriedade, faz-se fundamental conhecer o Pico do Itabira, “in loco”. Estar na base, conhecer a montanha da base ao cume, ter escalado suas paredes, etc. Particularmente, posso dizer que conheço muito bem a montanha, pois já repeti a clássica “Chaminé Cachoeiro”, com pernoite na parede (considerada à sua época uma das escaladas mais difíceis do Brasil), bem como tive a oportunidade de conquistar a “Face Nordeste do Itabira” – big wall que, por excelência, tenta explorar ao máximo os recursos naturalmente oferecidos pela montanha. Quando da conquista dessa via, foram necessárias duas investidas e cheguei a pernoitar por alguns dias na base da montanha. Vejo muitos opinando sobre, de forma favorável à construção da via ferrata, mas vejo pouquíssimos que conhecem a montanha propriamente. É preciso conhecer o caso concreto, quando então se compreende a dimensão do problema.
Voltando ao caso específico, essa via ferrata já começa a sua agressão logo no trecho inicial: um estribo de cabo de aço e barras de ferro, que desemboca exatamente na P1 da “Face Nordeste”. Ou seja, é como se tivesse sido construído um “atalho” para vencer a primeira enfiada da “Face Nordeste”, inteiramente feita por fendas, com uso de proteção móvel. Mas, não para por aí. A segunda enfiada da via ferrata passa COLADA à segunda enfiada da “Face Nordeste”. Há um trecho em que a escadaria passa a nada mais, nada menos que cerca de 2,5 metros à direita do mais lindo diedro da “Face Nordeste” (também todo feito em livre e com proteção inteiramente móvel). Agora, imagine-se escalando e curtindo esse diedro, e olhando para uma escadaria de vergalhões ao seu lado, colada na via… Continuando a via ferrata, em seu trecho final houve farta supressão de vegetação rupícola, de terra, raízes (nitidamente com a utilização de enxada), abrindo uma “língua” de rocha desnuda, para facilitar e deixar “limpa” a ascensão pelos vergalhões – ato totalmente reprovável, ambientalmente falando. E, para o grand finale, foi instalado um circuito elétrico por toda a parede, para acender um holofote no cume. Foram cerca de 700 metros de cabo elétrico – um verdadeiro espetáculo de horrores !
No vídeo, a proprietária do acesso à montanha se mostra preocupada com turismo. A preocupação é legítima e até mesmo bem intencionada. Fala sobre gerar fonte de renda para a população da região – algo, sem sombra de dúvida, extremamente sedutor e desejável. Por outro lado, menciona que gostaria que os escaladores entendessem que a propriedade (dela) fosse autossustentável e chega a afirmar que autorizou a “fabricação” (sic) da via. Ocorre que o Pico do Itabira é propriedade da União, é de todos, é símbolo da cidade, é símbolo do ES. O local já é frequentado por montanhistas há mais de 70 anos. Quem não é escalador e não entende do assunto não faz a mínima ideia do perigo que esta via pode ser tornar para a comunidade leiga, que se sentirá encorajada a subir vergalhões acima, expondo-se excessivamente à morte por uma torre de cerca de 400 metros verticais/negativos. Definitivamente, não será essa via ferrata que fará valer o argumento falacioso da “montanha para todos”. Muito pelo contrário, ainda que aparentemente acessível, esta via poderá ser considerada uma ascensão de grande dificuldade, por sua extrema exigência física.
Já o autor da via ferrata, por sua vez, reclama que não houve diálogo com ele por parte da ACE, que não houve cortesia, nem comunicação. Diz que as coisas foram feitas de uma forma “obscura”. Esqueceu-se, entretanto, de que a iniciativa do diálogo deveria ter partido dele, procurando a comunidade de escaladores para sondar opiniões, procurando os conquistadores da via que foi ATROPELADA por essa ferrovia e também se esqueceu de que, sim, faltou por parte dele cortesia com o elemento mais importante disso tudo: a montanha.
Importante mencionar que não se podem colocar no mesmo saco todas as vias ferrata do País. Cada caso é um caso. Comparações não fazem sentido, porque não se pode comparar bananas com laranjas. A via ferrata do Itabira é completamente diferente a via ferrata do Baú, por exemplo.
Enfim, a situação não é apenas sobre vias ferratas em si, mas de tudo aquilo que está em torno dela, no caso concreto, considerando principalmente princípios e valores do montanhismo, o respeito às pessoas, à vida, à montanha e ao meio ambiente.
Sensacional seu posicionamento.
Abraço!
Muito bem colocado meu caro Luciano Bender! Eu prefiro resumir o caso em tela: pretenso interesse comercial latente, profanação ingloriosa de um monumento histórico, tentativas fúteis de uns “apavonharem-se” antes do carnaval cancelado de 2021 e “falta de disposição” mesmo de subir as 3 vias na moral!
Inteiramente a favor da via ferrata no Itabira, ES.
Reserva de mercado não é democrático.
Sou escalador e apoio 100% a iniciativa.
Escalei várias ferratas na Itália e fiquei apaixonado por elas.
Eu gosto de escalar e fazer trekking.
A ferrata possibilita não só um trekking solitário, mas também uma escalada solitária. É incrível e ajuda muito no turismo local também.
Parabéns pela iniciativa!
Umas poucas linhas não seriam suficientes para colocar os inúmeros argumentos que tenho contra a aberturas de vias ferratas no Brasil. No caso do Itabira nem se trata de uma via FERRATA, não merece esse nome por ter simplesmente FERROS para tal…
A tempos atrás houve um movimento para retirada de grampos, pitons e todo tipo de ferragem em fendas, e a aplicação do MENOR IMPACTO…
Se eu quiser escalar um tipo de modalidade não tenho que trazer isso para perto de mim obrigatoriamente. Quem quiser escalar em neve e em gelo, anotem que colocar um fazedor de gelo ou neve no cume da montanha para fazer isso aqui…
Quer escalar via FERRATA, vá escalar na Itália, etc… onde elas existem, não tem que.importar essa modalidade só pq existe é lindo… não temos o envolvimento histórico e cultural com essa modalidade… se na Itália eles têm problemas com a manutenção dessas vias, imaginem isso aqui.
Cabos de aços enormes e grossos para esticar, seguir normas para emendar cabos, utilização de equipamentos próprios para escalar E montar essa modalidade IMPORTADA, que lá não é apenas para se chegar a cumes e tirar seu selfies. Lá elas cortam as montanhas para cima, pra baixo, em diagonal, etc., em lugares com mais área de rocha que temos aqui.
Outra coisa, quem acha que lá todos gostam e aprovam essas vias, estão enganados, essas vias ficam embargadas na guelra de muito europeu, que mesmo diante da questão histórica aprovaria suas retirada, outros não se incomodam, afinal tem vias para escalar em muitas partes longe dessa poluição.
Qual o conceito de democratização foi usado como argumento? Democratização de todos não foi, pq guardando a modernidade desse conceito ele deveria atingir a TODOS, se NÃO ATINGE A TODOS, já podemos deduzir que existe restrição, que existe um mínimo, um básico para usufruir desse cume.
Acredito que os proprietários deveriam tirar selfies sorridentes para nos mostrarem como democratizaram o acesso ao cume…
E quanto a fomentar a economia do local, não acredito que isso acontecerá, tirando o cara da funerária e o da floricultura!