Marketing esportivo, o montanhismo e a escalada
Já foi o tempo, não muito distante em que eu escutava frases como “a matéria é legal, mas é muito segmentada.” ou “não anunciamos na sua revista pois é nichada”. Parecia que numa época não tão distante, só havia espaço, dinheiro e atenção para o futebol, e depois para o surf ou quem sabe bem depois, para o tênis.
Algo mudou de uns anos para cá. Onde muitos viam dificuldades, outros poucos enxergaram oportunidades e construíram campanhas de sucesso. Alguém se atreveu a investir nos “diferentes”, tendo mais retorno por dólar investido do que quem ficou no lugar comum. Mas é interessante conhecer a história para compreender essa mudança e como ela ocorreu.
Se a ideia é vender um produto, e não trazer adeptos para esportes como a escalada ou para a prática de andar de bicicleta fazendo acrobacias em rampas consecutivas num trem em movimento, essa info quantitativa de praticantes não tem a menor importância (aliás, quanto menos, melhor). O impacto da imagem é que tem potencial. Você já viu esse vídeo abaixo? Se sim, com certeza se lembra da marca que o produziu, não é? Quantos adeptos essa modalidade tem? Parece que apenas um. Mas note a número de exibições que o vídeo tem até este momento.
No marketing de conteúdo, é importante que a mensagem soe tão familiar quanto inédita. A maior parte das pessoas sabem andar de bicicleta – e também já subiram uma montanha, – e isso faz com que elas se sintam parte dessas loucuras. A criação de artifícios de comunicação e empatia por meio de esportes, é a chave do sucesso dessas campanhas.
Se o objetivo for vender mochilas, o número de adeptos interessa. Mas se a ideia é vender isotônicos ou carros, ou seguros, o approach é outro.
Marketing também é enxergar histórias dentro de outras histórias, conectar de maneira sutil o que parece diferente.
A escalada é um esporte que, ao contrário do que muitos poderiam pensar, não sofre de falta de visibilidade para seus atletas. A visibilidade deve ser medida fora da comunidade e não dentro dela. É ali que está a mágica. Esportes radicais se destacam justamente por sua capacidade de atrair a atenção do público, trazendo para a sala de estar desse público paisagens deslumbrantes e conceitos que valorizam o mínimo impacto na natureza, a aventura e o desafio. Eles atraem mídia espontânea e inserem produtos organicamente dentro de blocos jornalísticos com conteúdos interessantes e em alta.
Mas qual o posicionamento do montanhismo no cenário atual?
A escalada está nas Olimpíadas e nos cinemas, e está nas discussões de como usar a natureza sem deixar rastros, técnicas que aprendemos desde os primórdios do esporte. Originário do montanhismo, a escalada trouxe desta modalidade, mãe dos esportes de montanha, valores que hoje compartilhamos com outros segmentos.

Mas os tempos mudaram, onde está o ESG, o ODS? Estão no nosso DNA, no código de ética de todos os esportes outdoor, muito antes desses termos serem cunhados.
Escalar montanhas e grandes paredes não é apenas um exercício físico; é uma analogia de muitos aspectos e facetas da vida, é uma experiência imersiva que conecta os praticantes com a majestade da natureza e os convida a superar seus próprios limites. Essa combinação de elementos faz da escalada um esporte com forte apelo visual e emocionalmente significativo. As imagens das ascensões em lugares incríveis e inóspitos cativam não só os amantes da natureza, mas também aqueles que buscam inspiração em histórias de amizades, superação e coragem.


Um exemplo notável de como o uso da escalada e outros esportes radicais são valorosos e conseguem atrair a atenção de um público diversificado é a companhia de energéticos Red Bull. A empresa é mundialmente conhecida por seu envolvimento com esportes de aventura e radicais, promovendo eventos e patrocinando atletas de diversas modalidades. Os vídeos tem visualizações na casa dos milhões. A Red Bull utiliza o apelo visual e a emoção dos esportes extremos como a escalada para criar conteúdos que ressoam e cativam pessoas de todas as idades e segmentos sociais, e que são disseminados sem moderação por quem os vê, aumentando assim a visibilidade da marca e o interesse pelo diferente que vende.
Eliseu Frechou
Guia de montanha e instrutor de escalada. Iniciou no esporte em 1983 e desde então se dedica ao montanhismo e à escalada tempo integral atuando em diversos segmentos, mas principalmente na organização de expedições, produção de documentários e filmes.
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