Enzo Oddo e Gabriele Moroni transgridem éticas e regras da escalada no Brasil

Em 2012 o Brasil comemorou 100 anos de montanhismo. Um século cunhando as bases de um esporte praticado em todo o mundo que no Brasil tem suas nuances próprias de quem resolveu praticar esta atividade longe das tradições alpinas e não tem gelo nas paredes e sim florestas verticais.

Em qualquer outro lugar do mundo, o montanhismo se desenvolveu de uma maneira global trocando informações sobre novas técnicas, equipamentos e formas de escalada com menos impacto, mais segurança…, mas também local, com regras e éticas próprias de cara região. A ética da escalada em Yosemite é diferente de escalar no deserto de Moab, apesar de os dois lugares estarem nos EUA. Se na Espanha vale cavar agarras, grampear fendas e usar de qualquer artifício em busca da escalada de alto grau, na Inglaterra na maior parte das paredes grampos são proibidos. E nas paredes do Elbsandsteingebirge na Alemanha, até o uso de magnésio branco e sapatilha são limitados. Todas as regras e nuances éticos de cada um desses lugares devem ser respeitados para que a escalada se desenvolva sem agredir o lugar e manter a característica de cada um deles, possibilitando que escaladores de diferentes vocações, possam escalar ao redor do mundo procurando lugares que o agradem e outros, que busquem a diversidade de estilos, possam procurar escaladas de aventura ou seguras sem nunca entediar-se. Se você for um escalador que só curte uma determinada modalidade de escalada, não há como ser feliz em todos os lugares do mundo. Mas Ok. Faz parte. Não podemos querer mudar o mundo inteiro – e as pessoas – para que elas se adéqüem ao nosso modo de pensar e escalar. E por este motivo, a pluralidade de estilos e éticas deve existir. Se você não curte um lugar onde a ética no seu ponto de vista é esdrúxula, simplesmente não escale lá, e deixe os outros serem felizes.

O Brasil tem a cada ano, recebido cada vez mais escaladores de todo o mundo. E sempre os recebemos muito bem. Claro eu já houveram incidentes, mas que me lembre, o último havia sido em 2008 com a passagem de Alain Robert, ( http://eliseufrechou.blogspot.com.br/2008/02/alain-robert-o-reizinho-da-frana.html ) tentando escalar fachadas de prédios e ainda se achando no direito de fazer o proibido, como se fosse melhor do que nós, brasileiros.

Felipe Guimaraes na conquista da Tiro no Sol

Felipe Guimaraes na conquista da Tiro no Sol

A calma durou até que um bom tempo. Em junho passado, recebemos uma trupe composta do francês Enzo Oddo (http://www.facebook.com/enzo.oddo.9), do italiano Gabriele Moroni (http://www.facebook.com/gabriele.moroni1), ciceroneados pelo niteroiense Francisco Taranto Junior (http://www.facebook.com/profile.php?id=100001514841226), na intenção, segundo Taranto, de produzir um filme sobre alguns points de escalada no Brasil.

Por uma coincidência, encontrei os três, mais o escalador mineiro Gustavo Piancastelli no abrigo de montanha Picus, do Felipe Guimarães em Itamonte. Os gringos e brasileiros escalaram no parque Nacional do Itatiaia por alguns dias, ocasião em que nos encontramos e soubemos que eles estavam de olho em algumas linhas para novas rotas. Bem, eu escalei com a Ana e o Felipe e estávamos mais preocupados em nos divertir do que interessados no que os gringos estavam fazendo. Mesmo por que, no dia seguinte eles viajaram para a Gruta de Passa Vinte. Mas dias depois Enzo, Gabriele e Taranto, acompanhado de brasileiros (desta vez sem Piancastelli), retornaram ao Planalto do Itatiaia. E somente semana passada, soubemos a verdadeira dimensão do estrago que os dois fizeram em sua passagem pelo Itatiaia.

Basicamente, ao escalarem nas Prateleiras, Enzo e Gabriele, resolveram adequar as regras e ética ao seu modo de pensar. Não levando em conta a ética e muito menos as regras de educação e manejo do PNI.

Tiro no Sol - Amarelo: chapeletas arrancadas por Enzo e Gabriele. Vermelho: primeira colocacao de friend

Tiro no Sol – Amarelo: chapeletas arrancadas por Enzo e Gabriele. Vermelho: primeira colocacao de friend

Primeiramente, abriram uma nova via na Pedra da Tartaruga. Como os escaladores que freqüentam o planalto sabem – e advertiram os europeus – atualmente é necessária autorização prévia para abertura de novas rotas. E pelo fato de tanto a Tartaruga quanto a Pedra da Maçã serem monumentos do PNI, ficou estabelecido de comum acordo entre os montanhistas que estas formações não receberiam mais grampeação. Mesmo por que, atualmente elas pedem ser consideradas highballs e podem ser escaladas como sendo grandes boulders, apenas com crash pads fazendo a segurança. Enzo e Gabriele, acompanhados pelos brasileiros, transgrediram duas regras que podem no futuro, serem usadas para causar problemas ou proibições para nós, que escalamos no PNI.
Não sou a favor de regras como a autorização prévia para abrir rotas, muito menos as absurdas exigências de somente abrir rotas de baixo para cima e do não uso de furadeira. Mas devemos debater e lutar a favor ou contra estas regras (e opiniões) e nunca transgredi-las.

Na seqüência da abertura ilegal da via na Tartaruga, Enzo e Gabriele escalaram e retiraram os grampos de proteção da via “Tiro no Sol”, uma chaminé de meio-corpo cuja primeira proteção móvel está a 18 metros da base. Esta via foi abertura do Felipe, Wagner Pahl, Mariana Candeia e minha em 2007. Sob o pretexto (engolido pelos brasileiros que os acompanhavam) de que “na Europa é assim”. Bem, vamos começar esclarecendo que aqui é Brasil e não Europa, e mesmo que fosse, na Europa não “é assim”. Direito autoral é respeitado no mundo inteiro. Na Espanha, França, Grécia, Itália… existem dezenas de rotas com fendas grampeadas onde os grampos podem ser substituídos por proteção móvel mas nem por isso esses grampos são sacados. Respeita-se. Abusando da passividade dos que os ciceroneavam, retiraram ainda chapeletas em outros lugares, como nas falésias próximas a Resende.

Mensagem enviada para Enzo, que n�o respondeu.

Mensagem enviada para Enzo, que n�o respondeu.

Gabriele, dizendo desconhecer o fato da retirada das chapeletas

Gabriele, dizendo desconhecer o fato da retirada das chapeletas

Conversa entre Felipe e um escalador da que ouviu de Enzo sobre a retirada dos grampos

Conversa entre Felipe e um escalador da que ouviu de Enzo sobre a retirada dos grampos

Voltando ao caso específico da Tiro no Sol, esta via é um VIsup até a primeira colocação móvel, um friend, 18m acima da base. Não existe a possibilidade de proteger em móvel. Para um escalador que domina o 8° grau francês, escalar (pela segunda vez, já que dá primeira vez ele costurou as chapeletas) uma via de VIsup é bem confortável, até de ser solada. Mas será que para os escaladores que freqüentam este lugar a opinião de Enzo é um consenso? Estou certo que não. E nem mesmo é a nossa opinião de conquistadores. Escalar a Tiro no Sol, a partir de agora, virou um solo.

Ficamos com o sentimento de termos amigavelmente recebido alguém em nossa casa, e esta pessoa ter além de nos desrespeitado, quebrado parte da mobília da casa quando não estávamos presentes. Então nos cabe questionar Enzo, Gabriele e quem mais os tenha acompanhado e pactuado com suas ações:

– Em que direito ou ética eles se basearam para vir ao Brasil e nos vomitar regras?
– Se o que fizeram é o certo, por que não nos consultaram na ocasião em que se hospedaram no abrigo do Felipe Guimarães?
– Vocês têm esta atitude em outros lugares por onde escalaram? Já retiraram grampos de quais vias e em que lugares?
– Por que na ocasião pareciam tão corajosos e orgulhosos desses atos (de vandalismo) e agora Gabriele nega a retirada dos grampos, Enzo não responde as mensagens enviadas via Facebook (todas visualizadas) e Taranto diz não tem tempo a perder com esclarecimentos?
– Já que pareceram querer nos ensinar o que é conquistar vias tradicionais, quantos E11 cada um deles tem em seus respectivos currículos, para nos mostrar que não são corajosos somente em vias de baixo grau de dificuldade?

 

 

 

 

 

 


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