Pão de Açúcar – Escalada x Tirolesa ?

by Eliseu Frechou | 1 de março de 2023 16:15

Na última semana, fui procurado por cinco pessoas para que fizesse coro num abaixo assinado contra a instalação de uma tirolesa no Pão de Açúcar.

Como não estava por dentro da proposta e sem saber o que o “outro lado”, nesse caso a Cia Caminho Aéreo do Pão de Açúcar, teria como justificativa para construção de tal tirolesa, antes de tomar partido, resolvi me informar mais a respeito.

Cia. Caminho Aéreo Pão de Açúcar abre diálogo.

Cia. Caminho Aéreo Pão de Açúcar abre diálogo.

Junto ao pedido de repúdio à tirolesa no Pão de Açúcar, me foram enviadas algumas imagens do canteiro de obras. A imagem é feia como qualquer imagem de reforma na minha ou na sua casa, na construção de um prédio ou do asfaltamento da sua rua. Tudo tem que ser limpo no final da obra e certamente será. Canteiro de obra é sempre caos. Achei tendencioso.

O projeto da Tirolesa faz parte de uma obra de ampliação da estrutura de visitação no topo do Pão de Açúcar. É uma obra grande para o lugar, mas foi aprovada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN, Prefeitura do Rio de Janeiro e Pelo MONA Pão de Açúcar, que são os órgãos que realmente decidem se pode ou não acontecer qualquer alteração na estrutura atual.

 

Perfil https://www.instagram.com/paodeacucarsemtirolesa/

https://www.instagram.com/paodeacucarsemtirolesa/

 

A Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro (FEMERJ) é nossa representante perante esses órgãos, e tem tido muito sucesso na luta por assegurar nosso direito de escalar, tanto quanto na de proteger as áreas de montanha. Fato é que nem a FEMERJ nem a CBME e nenhum de nós é dono dessas áreas naturais. Precisamos manter um bom relacionamento para que possamos escalar nas cerca de 250 vias que hoje fazem parte do complexo do Morro da Urca.

Nesse caso, a FEMERJ se pronunciou junto a Cia Caminho Aéreo do Pão de Açúcar em um documento intitulado “CONTRIBUIÇÃO PARA O PROJETO DE TIROLESA DO PÃO DE AÇÚCAR[1]” manifestando a preocupação com o ambiente de montanha e a prática da escalada:

“a FEMERJ tem especial atenção aos projetos realizados em áreas de montanhismo e/ou impactem na integridade do ambiente de montanha. A preocupação é que esses projetos tenham uma concepção que conflita com os Princípios e Valores do Montanhismo Brasileiro (documento CBME), as boas práticas e diretrizes de mínimo impacto.”

Porém, conforme dito acima e deveria ser consenso na comunidade, não somos donos da montanha. Como em outros lugares do Brasil onde existem Unidades de Conservação e nossas entidades fazem parte dos Conselhos Consultivos (consultivo, preste atenção ao nome), podemos garantir que nossos pontos de vista sejam ouvidos, mas jamais exigir que nossa vontade prevaleça.

Qualquer questionamento ou pedido deve ser feito com equilíbrio. Forçar a barra, fazer barulho nas redes sociais em causas em que há outros players com necessidades de igual relevância ou melhores justificativas, é desgastar uma relação que tem sido boa até o momento.

Exemplos onde parte da nossa comunidade perde a razão ao fazer “abaixo assinados” e “manifestos” colocando apenas uma versão dos fatos, tem sido cada vez mais comuns no ambiente das redes sociais. E a cultura do cancelamento, onde muita gente vai assinando sem ler ou pensar, no mais puro estilo manada, apontando o dedo no nariz de alguém e acusando antes de ouvir a outra parte, parece que chegou para ficar.

Tenho visto também com relativa frequência, como pautas (leia-se palavras na moda) de inclusão, tolerância, solidariedade, compartilhamento, igualdade de direitos e maior participação… são rapidamente esquecidas quando nos vemos forçados a dividir espaços com outras modalidades onde antes só nós, montanhistas, tínhamos acesso.

De pouco vale a pessoa combater o racismo se ela é homofóbica ou misógina. Ou ela tolera conviver com o diferente ou não. Não dá pra ser só meio-escroto.

Essa cultura excludente pôde ser notada em vários momentos, onde o “nobre esporte das montanhas” (adoro esse termo, nos qualifica como nobres também, ahahaha) se opôs ao B.A.S.E. jump, a slackline, a tirolesa e ao “famigerado” rapel. Justificativas para afastar essas pessoas das montanhas: poluem o lugar, fazem barulho, colocam grampos desnecessários, podem morrer!… Podem ser facilmente direcionados a nós, como justificativa para banir a escalada de diversos points.

Houve um momento, em que trabalhávamos para o montanhismo crescer, ser divulgado, abrir o mercado. Ele cresceu. Cresceu a ponto de dividir-se em várias modalidades, tão diversas que parecem não terem nascidos da mesma modalidade mãe. E sim, é bom que as pessoas frequentem a montanha. Se lhes falta educação ou elegância, o assunto é outro. Mas a priori, todos deveriam ser bem vindos: os voadores, os slackliners, os rapeleiros e quem curte as vias ferratas.

 

A nova cultura da indignação e o ricochete de ações mal elaboradas

Esse não é um ponto de vista pessoal e pontual ao caso Pão de Açúcar. Situações nas quais os escaladores entram em atrito desnecessário com proprietários de terras, gestores de UC’s e outros escaladores, aconteceram recentemente no caso da via ferrata no Itabira[2], da Identificação de Vias de Escalada[3] e a mais recente a qual de tão “tiro no pé” nem me pronunciei publicamente na ocasião, que foi a suposta instalação de um Corrimão no Bauzinho em São Bento do Sapucaí.

Neste episódio que aconteceu no final do ano passado, a Fundação Florestal aprovou verba para uma intervenção de segurança na trilha de acesso ao Bauzinho. Algumas pessoas entraram numa catarse coletiva, espalhando o terror instagrâmico de que seria construída uma obra que impossibilitaria vermos o por-do-sol! As justificativas para “barrar” o corrimão? Nidificação de aves na trilha, impacto ambiental da instalação de aparatos de segurança, ausência de relatório de risco, falta de Plano de Manejo para a região do MONA. Pois bem:

– Aves nidificam em paredes onde há vias de escalada, muito mais do que em trilhas frequentadas por dezenas de turistas todos os finais de semana.
– Escaladores instalaram centenas de grampos nas paredes da Pedra do Baú. Chapeletas que brilham de longe. Me parece justo que para garantir uma visitação segura aos turistas – que também são brasileiros, pagam impostos e também são motivo da UC existir e permanecer aberta, alguns grampos sejam tolerados. Isso é inclusão. Na minha opinião, deveria inclusive constar no projeto a acessibilidade de cadeirantes.
– Relatório de risco, se existisse, iria constar os inúmeros acidentes, inclusive fatais, tendo escaladores como protagonistas.
– Plano de Manejo não irá apenas regulamentar um corrimão. Irá regulamentar a escalada e outros assuntos diversos como uso do solo, passando pela obrigatoriedade de fossas sépticas biodigestoras nas casas dos escaladores que moram no entorno.

Me parece bastante provável e inquietante, que tais argumentos usados por escaladores no abaixo assinado para barrar um suposto corrimão, possam ser facilmente usados no futuro para justamente banir a escalada em alguma Unidade de Conservação.

A Fundação Florestal é soberana em assuntos de infra-estrutura no MONA. Ninguém reclamou da estrada em ótimas condições, de serem construídos banheiros, haver vigilância que nos garante não acontecerem mais roubos de carros e até estupros (sim, já aconteceu no Bauzinho) e nem aplaudiram quando liberaram a entrada gratuita aos escaladores. A estrutura que usufruímos gratuitamente é bancada pelos turistas que são tratados com desdém por alguns escaladores.

Por fim e mais importante, é o fato de que a Fundação Florestal aprovou uma verba e fez a licitação para uma “Intervenção de Segurança”. Nada havia sido decidido. A FF sempre teve diálogo para que a comunidade interessada pudesse se pronunciar sobre o que seria aceitável na tal “Intervenção”. Se será feito um corrimão, instalado um cabo de aço, placas ou simplesmente um caminho melhor delineado para que as pessoas leigas possam ter uma maior sensação de segurança sabendo por onde andar… houve espaço para ideias. A conversa teria sido muito mais amigável e produtiva, se antes de meter os dois pés na porta, tivessem tocado a campainha, se apresentado e escutado as necessidades dos gestores de garantir a segurança dos visitantes. Mas talvez a oportunidade de encabeçar um movimento instagrâmico, atacar alguém “poderoso”…  infelizmente pareça ser mais atraente para algumas pessoas do que dialogar equilibradamente.

A FF não precisaria nem ouvir os escaladores, uma vez que o conselho consultivo do MONA Pedra do Baú é formado de 12 cadeiras e apenas uma delas é destinada a esportistas. Mas ouviram os escaladores, em uma reunião onde o gestor foi incisivamente cobrado na questão do Plano de Manejo – que não era o objetivo da reunião – e quase desacatado por algumas pessoas exaltadas. Houveram propostas de exigência de calçados apropriados a trilha para acessar os 500m de percurso. Questionei sobre a possibilidade de nalgum momento, um indígena querer subir a trilha descalço e qual seria o protocolo para tal situação. Silêncio.

Ao final de reunião, não houve do grupo alterado, propostas reais para a FF melhorar a segurança dos turistas na trilha.

Minha opinião pessoal? Prefiro que o corrimão ou qualquer outra obra não exista. Mas posso conviver com algo que ofereça o mínimo de segurança para pessoas que também querem ir com a família, idosos e crianças numa trilha a 500m de um estacionamento. Em que isso afeta minha experiência na escalada? Em nada.

 

Considerações finais

Voltando ao Pão de Açúcar, antes de mais nada aconselho a leitura deste documento do FEMERJ, pois é um texto equilibrado que procura um diálogo, entendendo que existem mais pessoas interessadas em visitar o topo do Pão de Açúcar, cuja estrutura certamente não comporta o atual número de visitantes, maior do que na sua inauguração.

O Pão de Açúcar é uma montanha símbolo do Rio de Janeiro, inserida numa área de floresta urbana. Há no seu entorno, toda a beleza natural do Rio de Janeiro, micos, aves, bromélias e orquídeas e as vias de escalada. Mas ao chegar hoje no seu topo, também há lanchonete, coca-cola, publicidade, banheiro, joalheria H.Stern para você pedir x companheirx de cordada em casamento lá mesmo no cume, e há um bondinho grátis para assegurar sua descida rápida e confortável no caso de uma tempestade. Existe também no morro da Urca um lindo auditório, onde numa Semana Brasileira de Montanhismo, pude ver a apaixonante palestra de Jim Donini.

Semana Brasileira de Montanhismo, onde a Cia Caminho Aéreo Pão de Açúcar foi a principal patrocinadora.

Semana Brasileira de Montanhismo, onde a Cia Caminho Aéreo Pão de Açúcar foi a principal patrocinadora.

No meu entender, o Pão de Açúcar é um lugar bastante urbanizado. Há um limite para essa urbanização? Sim, deve haver. Mas o limite tem que existir em leis e não nas nossas cabeças apenas. Se o limite for ultrapassado, mecanismos legais têm que ser acionados. O Ministério Público tem a obrigação de averiguar irregularidades e exigir a punição de crimes. Essa ação é legítima.

Esse texto não é a favor nem contra o que está rolando hoje no Pão de Açúcar. Estou gastando meio período do meu dia com a intenção de dar um alerta para que consigamos segurar a paixão e assim vermos a situação de ângulos que afetam outras pessoas além de nós Relações sadias com pessoas ou entidades, se consolidam pela forma correta e civilizada de discutir ideias conflitantes. Quem participa ou já participou da diretoria das nossas entidades representativas, sabe o quão difícil é construir esse diálogo e obter respeito.

Bater em adulto e não esperar represália de volta me parece muita ingenuidade. Se alguém me atacar, vou me defender e manter um estado de alerta com a pessoa. Esse papo de deixar pra lá e evoluir é coisa de Pokemón.

O que para mim não faz sentido, é de algumas pessoas fazerem questão de em situações como essa, vestirem a camisa de montanhistas para brigar em assuntos que poderiam ser discutidos por toda a população e não apenas por um segmento esportivo. Um movimento intulado “Pão de Açúcar sem tirolesa” é no mínimo mal batizado por quem ainda quer ter acesso à montanha para escalar. Se o que incomoda é a expansão urbanística, a movimentação deveria ser nessa direção e não contra a atividade esportiva (sei lá se tirolesa é esporte) ou laser. Fato é que se não pode tirolesa, não pode escalada. Esse estardalhaço direciona uma mira em nossa atividade. Coloca em risco nossa liberdade de usufruir não de 2 ou 3 vias, mas das 250 vias deste complexo. E causa ranço com entidades que precisaremos conversar mais vezes.

Endnotes:
  1. CONTRIBUIÇÃO PARA O PROJETO DE TIROLESA DO PÃO DE AÇÚCAR: https://feemerj.org/wp-content/uploads/FEMERJ-MAN-2022-02-Consideracoes-sobre-Projeto-de-Tirolesa-Pao-de-Acucar-v2.pdf
  2. via ferrata no Itabira: https://eliseufrechou.com.br/via-ferrata-no-itabira-es/
  3. Identificação de Vias de Escalada: https://eliseufrechou.com.br/sinalizacao-dogmas-e-haters/

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