Identificação de vias de escalada – Demandas e soluções

by Eliseu Frechou | 8 de abril de 2021 16:50

Toda grande novidade na escalada é polêmica. Há, logicamente novidades boas e outras nem tanto. E há novidades que apesar de não aprovarmos, temos de entender que são sinais dos tempos e necessidades de um esporte em crescimento e aperfeiçoamento.

Todos queremos equipamentos bons e baratos disponíveis nas lojas, locais bem conservados, estradas bacanas para chegarmos aos points de escalada… mas isso só acontece quando temos praticantes suficientes para alavancar um mercado saudável que consiga retribuir apoiando atletas e iniciativas legais. Assim foi com o aparecimento dos profissionais do esporte (guias, instrutores e atletas), com o advento dos grampos e formas de perfurar a pedra, o equipamento móvel, as vias esportivas, o red point, o dry tooling, bases equipadas para rapel, e muitos outros que atualmente são normalmente aceitos, mas que no seu surgimento, receberam inúmeras críticas. Já imaginou alguém bradando a todo pulmão: “-Furar a pedra para instalar chapeletas? Jamais! existem fendas que são caminhos naturais e pitons para martelarmos nelas” ? Ou então “-Friends? São equipamentos para suicidas! Vão acabar com a imagem do esporte… Vamos ver quando alguém morrer!“. Se você vivesse nos anos 60 ou 70, certamente teria ouvido isso.

Mesmo que as vezes a grande maioria da comunidade seja a favor de uma tendência, é importante ouvir com atenção as vozes contrárias, pois podem ser das críticas, que saia uma solução mais equilibrada do que a que vislumbramos no primeiro momento.

Ontem, comecei uma “pesquisa” no Instagram sobre a necessidade e tipos de identificação de vias em setores esportivos. Me arrependi na sequência, pois a tal rede não possibilita muita interação entre os interessados no tema. Mas é uma fonte confiável de angariar dados em forma de estatística.

Fiz duas enquetes simples:

Primeira pergunta era sobre ser contra ou a favor da sinalização na base das vias. A favor levou o trféu com 85% de aceitação.

Primeira pergunta era sobre ser contra ou a favor da sinalização na base das vias. A favor levou o troféu com 86% de aceitação. A segunda enquete foi um teste no qual 222 pessoas das 244 votantes disseram ser uma plaquinha de 2x5cm de alumínio fixada na base da via, suficiente e adequado para sinalizar.

Meu obrigado as 16 pessoas dispostas a ajudar a causa com R$ 500,00. Acho que vamos conseguir com recursos próprios e boa vontade, mas mesmo assim, grato pela confiança e desejo em ajudar de forma concreta.

A DEMANDA

Desde 1991 eu publico o Manual de Escaladas da Pedra do Baú, no formato guia de bolso, com vias selecionadas e que está na sua 8ª edição. Selecionadas por quê? Pelo simples motivo que há vias que não merecem serem citadas e gasto papel com elas. São vias mal equipadas, com grampos podres e sem manutenção, em locais os quais há restrições de acesso… Muitas dessas vias foram publicadas numa edição e retiradas de outra. Mas o grande problema dos guias é que eles já nascem desatualizados. Entre a edição e impressão, é certo que novas vias foram abertas ou modificadas e eles chegarão às mãos das pessoas faltando alguma informação ou setor.

Atente à (r)evolução que aconteceu nos últimos anos na falésia dos Olhos, um point esportivo de Brasópolis, MG:

Parede da falésia dos Olhos com as vias existentes em 2005

Parede da falésia dos Olhos com as vias existentes em 2005

 

Parede da falésia dos Olhos com as vias existentes em 2015

Parede da falésia dos Olhos com as vias existentes em 2015. Uau!

 

Somente na faixa vermelha da parede da falésia dos Olhos, há 5 atualizações de vias novas e extensões.

Falésia dos Olhos 2021. Somente na faixa vermelha, há 5 atualizações de vias novas e extensões. Imagine o próximo croqui!

 

Entendeu o tamanho da encrenca?

Há anos que estou pensando em formas de melhorar a informação e experiência de quem não conhece os setores e tem dificuldade em se localizar numa falésia abarrotada de vias e com croquis nem sempre bem feitos ou explicados. No último setor significativo que desenvolvi com a Ana Fujita, onde equipamos 29 rotas na face mineira da Pedra da Divisa, fizemos um croqui impresso, e identificamos as vias com uma etiqueta plastificada e encaixada com um pedaço de arame nalguma micro fenda da base. Bem, passados 3 anos os croquis se esgotaram, as etiquetas desbotaram ou se perderam, e novas vias foram abertas. Qual a solução para minimizar a sensação de “aonde eu estou?” de quem chega num lugar assim?

O QUE ROLAS POR AÍ?

Abaixo, uma coleção de soluções que vi em algumas falésias por onde escalei e minha opinião sobre cada um:

identificação com pintura. Feio pacas, na minha opinião. Depender da aptidão artística da pessoa é temeroso, além de exagerado.

Identificação com pintura. Feio pacas, na minha opinião. Depender da aptidão artística da pessoa é temeroso, além de exagerado. Só se justificaria em locais onde as placas são roubadas ou vandalizadas. Brenda, Itália.

 

Beeeem desastroso!. Algum lugar da França. Imagem do Fred Quintão.

Beeeem feio! Imagem do Fred Quintão. Algum lugar da Suiça.

 

Pedreira de Teresópolis, RJ. Imagem do Bruno Eduardo Rivera

Pedreira de Teresópolis, RJ. Euro style.

 

Esparadrapo no bloco. Vida útil reduzida. Cocalzinho, GO.

Esparadrapo no bloco. Vida útil reduzida. Cocalzinho, GO.

 

Acho as pedras grandes demais e podem ser retiradas do lugar eu surrupiadas. Las Animas, México.

Acho as lacas pedras grandes demais e podem ser retiradas do lugar ou surrupiadas. Las Animas, México.

 

Lacas esculpidas em Indian Creek, EUA.  @ devinfin

Lacas esculpidas em Indian Creek, um point de escalada tradicional nos EUA. @devinfin

 

Parece bacana, mas depende de internet, manutenção de site... e achei muito grande e exagerado.

Parece bacana, mas depende de internet, manutenção de site… e achei muito grande e exagerado. Tenno, Itália.

 

Precisa de placa ou guia para identificar o número da via. Resolve em parte. Arco, Itália.

Precisa de placa ou guia para identificar o número da via. Resolve em parte. Arco, Itália.

 

Nalgum lugar do Kentucky. Bizarro. Imagem: Samantha Soifer.

Nalgum lugar do Kentucky. Bizarro. Imagem: Christopher Stoll.

 

Identificação no Campo-Escola São Bento do Sapucaí, instalada pela Prefeitura em 2014., num projeto pioneiro que sinalizou outras vias populares, como a "Normal" do Bauzinho.

Identificação no Campo-Escola São Bento do Sapucaí, instalada pela Prefeitura em 2014, num projeto pioneiro que sinalizou outras vias populares, como a “Normal” do Bauzinho.

 

Melhor opção, e se o povo for civilizado, um rebite basta.

Boa opção na minha opinião, e se o povo for civilizado, um rebite basta. Potrero Chico, México.

 

Essa é minha proposta. Se instalada há 30cm do solo, não gera problema algum. Em setores com muitas vias, uma identificação a cada 5 vias deve ser o suficiente.

Essa é minha proposta. Se instalada há 30cm do solo, não gera problema algum. Em setores com muitas vias, uma identificação a cada 5 vias deve ser o suficiente. É menor do que o olhal de um grampo ou de uma chapeleta. E dura uns 30 anos.

 

UMA PROPOSTA DE IDENTIFICAÇÃO

Dos sistemas que eu conheci, considero a plaquinha a melhor opção. Acho que a identificação das vias principais de cada setor, é mais do que o suficiente para um visitante contar as vias para a direita e para a esquerda e se localizar.

Vou usar algumas das considerações negativas que apareceram no Instagram e argumentar sobre cada uma delas, que acredito serem as principais, uma vez que apareceram diversas vezes. Argumentações do tipo “no meu tempo….” não merecem nem menção. Ow! estamos em 2021.

“A chapinha é fixa e fere a rocha.”  “Não sou contra a identificação, mas não acho que para isso precise chumbar algo na pedra.”

Entendo a preocupação com o mínimo impacto, mas e a quantidade de blocos e agarras que derrubamos nas conquistas? Mudamos a rocha cada vez que a tocamos e pisamos. Fora as quantidades consideráveis de vegetação que retiramos do lugar para limpar o caminho para uma nova via.

Identificação faz parte das informações necessárias para o escalador não se machucar, por exemplo, entrando em uma via de proteção móvel, achando estar em uma com proteção toda fixa. Se há justificativa para furar e instalar uma proteção fixa, também há para sinalizar a via corretamente. Antes de entrar na via com um croqui detalhado para saber por onde ir, que equipamento levar, como descer… é necessário localizar a via.

O rebite da placa de identificação usa um furo de 4mm. Um único grampo P precisa de um furo de 12,4mm. Portanto eu considero a intervenção praticamente inócua.

Grampo P necessita de um furo com 12,4mm de largura. O rebite da plaquinha, apenas 4mm.

Grampo P necessita de um furo com 12,4mm de largura. O rebite da plaquinha, apenas 4mm.

“E a poluição visual?”

Há outras práticas muito mais poluidoras e aceitas simplesmente pelo fato de estarem enraizadas no way of climb dos escaladores. Um exemplo gritante são as grandes quantidades de marcas de magnésio que ficam na rocha após serem escaladas, eventualmente ainda, polindo as agarras.

A sugestão das lacas de pedra pintadas surge geralmente associada a uma opção menos impactante visualmente. O que eu não consigo entender, é como uma laca de pedra no mínimo 20 vezes maior que a plaquinha de 2x5cm, pode passar menos desapercebida do que um pedaço de alumínio fixo a 30cm do solo? Sem contar que já houveram casos de trocarem as pedras de lugar por maldade, atirarem as pedras longe e roubarem, o que as torna suspeitas.

Houveram pessoas que sugeriram placas de madeira, que são igualmente grandes e tão poluidoras visualmente quanto as pedras pois são ainda maiores, com o agravante de uma curtíssima vida útil de talvez 3 ou 4 anos.

A plaquinha deve durar uns 30 anos, por isso acho a melhor e mais realista das opções do ponto de vista tanto da poluição visual quanto da durabilidade.

“O ideal seria uma placa na entrada de cada campo de escalada, com um QR code em que possamos acessar um guia ou croqui digital.”

QR Code só funciona com sinal de Internet. Na citada face mineira da Divisa e muitos outros setores, não há sinal de celular.

E não menos importante, alguém precisa arcar com os custos da coleta de informações e manutenção do site no ar. Junta-se o risco de o administrador do site retirar o conteúdo da internet por qualquer motivo operacional, tecnológico ou pessoal e tudo se perde.

+Vou fazer aqui um adendo sobre outra questão que é a violação de Direito Autoral, já que muitos dos sites que oferecem croquis “grátis” na verdade os pirateiam, não respeitam o trabalho de pesquisa e prejudicam assim os autores e a impressão de novos Manuais.

Não me comprometa!

Pessoal, estou aqui expondo uma demanda, minhas opiniões e as possíveis soluções para serem debatidas. Em cada lugar, a comunidade de conquistadores deve resolver por consenso e experiência, a melhor forma de melhorar a experiência dos seus escaladores e visitantes. Não estou sugerindo colocar placas em vias que os conquistadores não estão de acordo, nem colocar outdoors gigantes em todas as vias do universo, ok?

Estou apenas dizendo que álcool é um bom combustível e que na cerveja é bem bom, não estou sugerindo usá-lo para botar fogo no mundo.

Bom senso sempre.

Leia também: https://eliseufrechou.com.br/sinalizacao-dogmas-e-haters/[1]

Endnotes:
  1. https://eliseufrechou.com.br/sinalizacao-dogmas-e-haters/: https://eliseufrechou.com.br/sinalizacao-dogmas-e-haters/

Source URL: https://eliseufrechou.com.br/sinalizacao-de-vias-de-escalada-demandas-e-solucoes/