Hello my friend!

by Eliseu Frechou | 18 de fevereiro de 2020 22:40

Hoje foi dia de limpar e lubrificar os cams. Dá um certo trabalho, pois por conta dos cursos e escaladas na gringa, onde o rack é milionário, acabei juntando umas 70 peças. Acho que a periodicidade que faço essa limpeza é anual, mas nem sempre dou o trato em todas as peças. Pego sempre os jogos que uso mais assiduamente e os outros permanecem um bom tempo sem precisar de manutenção.  O trabalho consome uma manhã, mas é bom sacar uma peça do rack e ela funcionar perfeitamente. Tento ser cuidadoso com meus equipamentos. Mantenho tudo limpo, em bom estado e esse hábito tem me dá paz de espírito quando a vontade é de gritar por socorro e desejar não estar em determinadas situações nas quais eu me coloquei por livre e espontânea vontade.

Friend Wild Country original da década de 80.

Friend Wild Country original da década de 80.

Daí que eu tenho um acervo histórico também, junto de peças que eu uso com frequência. Durante o processo de lavagem, pego um friend Wild Country de haste rígida que foram os primeiros fabricados comercialmente, com certeza da década de 80. Lembro que eu o retirei de uma fenda na via Zenyatta Mondatta um VI A5 de 16 enfiadas na parede direita do El Capitan, em 1994. Junto com Antônio Carlos Meyer, fomos a primeira equipe de brasileira a escalar o El Cap, e por uma via de responsa, aberta por Jim Bridwell e considerada por muitos anos, a escalada artificial mais difícil do planeta. Demoramos 9 dias para completar a via. Passamos fome, frio, medo. Uma tempestade que teve início no quarto dia e nos forçou a ficarmos nos portaledges por 2 dias, causou o maior resgate da história de Yosemite, com 14 escaladores resgatados.

Helicóptero do YOSAR retirando escaladores do El Cap.

Helicóptero do YOSAR retirando escaladores do El Cap.

A peça é magnífica, usinagem aeronáutica e mesmo se não fosse pela revolução que os cams causaram na história da escalada, ainda assim seria digna de coleção. A tipografia do texto que grava a marca e o tamanho da peça é outro detalhe que me chama a atenção. Mas enfim, devido à haste rígida, o que limita o uso em fendas horizontais, não é um item que eu carregue no rack. A engenharia e o design evoluíram bastante nessas décadas e hoje existem peças mais eficientes e leves. Tenho alguns outros friends iguais, que eu comprei, mas esta é uma das peças que tem valor sentimental, assim como o mosquetão que ganhei do Rock Master Kurt Albert, a costura do maestro Bernd Arnold, o mosquetão pera da atriz e escaladora Sônia Braga, a corda do ás Sean Leary. Equipamentos que tem uma história e que estão por algum lugar da casa esperando para me relembrar algum momento da minha vida. Então agora que eu finalizei a limpeza das peças, vou aproveitar este final de tarde e ficar aqui no jardim com meu friend pré-histórico. Vou abrir uma cerveja e comemorar o privilégio de há mais de 35 anos ter conhecido a escalada e hoje ter histórias como esta para relembrar.

Eliseu Frechou na terceira enfiada A4 da Zenyatta Mondatta, El Capitan, Yosemite, Califórnia, EUA.

Eliseu Frechou na terceira enfiada A4 da Zenyatta Mondatta, El Capitan, Yosemite, Califórnia, EUA.

O croqui que levei na parte de dentro do meu capacete.

O croqui que levei na parte de dentro do meu capacete.

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