Expedição Brasileira ao Monte Roraima

by Eliseu Frechou | 1 de fevereiro de 2010 17:00

Nos domínios de Makunaima >

Não posso negar que o Roraima tem sido meu sonho de consumo há mais de 4 anos. Depois da tentativa frustrada de 2008, quando o piloto do helicóptero colocou o rabo entre as pernas a menos de 2km da parede e desistiu de pousar na montanha, tremendo como uma vara verde, a vontade de voltar e tocar naquela parede ficou maior ainda.

Histórias como da expedição inglesa que abriu a primeira via na proa em 1972, lendas sobre o espírito do guerreiro Makunaima são peças de uma história que eu precisava viver.

Pra quem já escalou por boa parte desse Brasil, no deserto do Sahel, em Yosemite… escalar no maio da floresta amazônica seria algo novo, e que me fascinava.
Mas tudo na vida tem seu tempo, sua hora. E eis que dois anos depois, o Márcio Bruno, Fernando Leal e eu, voltamos para finalizar o serviço.

Desânimo dos pilotos. A imagem que ficou da trip em 2008. Crédito da imagem: Márcio Bruno[1]

Desânimo dos pilotos. A imagem que ficou da trip em 2008.
Crédito da imagem: Márcio Bruno

Desta vez, já sabíamos que um dos crux da viagem seria o piloto. Não existe nenhuma área para pouso, mas acreditávamos achar alguma lage, clareira ou campo que seria possível pairar o heli e e gente saltar. Ano passado, estive no tepuy Uillo, e na ocasião contratamos um piloto muito habilidoso chamado Rafael em Santa Elena do Uairén, primeira cidade venezuelana após Pacaraima (RR). O cara é bom. E não tem medo. Resolvido isso, descolada a grana (muita!!!!) e checados os mais de 1000 itens entre equipamentos, alimentação e tralhas em geral que vão desde soro anti ofídico até pilhas para o som, embarcamos para Boa Vista.

A estratégia era de fazer uma viagem curta mesmo, só o suficiente para escalar a montanha e voltar. Chegamos de madrugada em Boa Vista e já seguimos para Santa Elena. Brifamos o piloto e marcamos para estar as 05h00 no hangar, para sairmos o mais cedo possível.
O voo até o Roraima, com o Kukenan bem ao lado é lindíssimo. Ao amanhecer fica mais irado ainda, com a luz suave e o jogo das sombras no terreno montanhoso. Conforme chegávamos perto da montanha, a ansiedade aumentava. Não sabíamos ainda onde iríamos pousar, então a ideia seria escolher entre as paredes da proa, uma em que pudéssemos dispor de uma área mínima aberta para o Rafael tentar o pouso.

Íamos contornando a parede e o Márcio à frente, ia dizendo ao Rafael as paredes que nos interessavam. E eis que do lado de uma delas, estava uma cachoeira gigante onde havia um bloco caído de 3x5m. O Rafael acenou ao Márcio que poderia pairar lá. Ainda continuamos e demos a volta na proa. Nada legal. Voltamos, e num instante, tudo aconteceu muito rápido. O heli embicou na pedra, e o Márcio saltou pra fora, abriu minha porta e já começou a puxar os haul bags. Nunca na vida achei que algo poderia dar tão errado. Pedra molhada, água caindo, o heli pairando e dois pares de hélices prontos para nos deceparem, a poucos centímetros das nossas cabeças. Em menos de 1 minuto, o Rafael deu um aceno e partiu. Senti um mix de alívio e pesar. Descemos salvos. Agora teríamos que subir a parede, pois ficou claro que ele não poderia nos resgatar no chão. A saída teria de ser pelo topo.

A face venezuelana do Roraima. Imagem: Marcio Bruno[2]

A face venezuelana do Roraima. Imagem: Marcio Bruno

 

Chão coberto de bromélias Crédito da imagem: Márcio Bruno[3]

Chão coberto de bromélias
Crédito da imagem: Márcio Bruno

 

Marcio ao lado da cachoeira que foi nosso heliponto. Imagem: Eliseu Frechou[4]

Marcio ao lado da cachoeira que foi nosso heliponto.
Imagem: Eliseu Frechou

Agilizamo-nos para transferir os equipamentos até um lugar seco (Hã? Mal sabíamos que lá não existem lugares secos!). Mas saímos de perto da cachoeira em direção à Proa. Andamos uns 800m e encontramos um lugar “menos ruim” onde montamos nossa tenda de lona. Alí seria nossa base pelos próximos 2 dias.

A parede inteira do Roraima pinga. Goteja sem parar. Se não está chovendo, a névoa que impregna nas vegetação condensa e cai. Montamos os portaledges longe do chão para evitar os insetos, pois logo na primeira hora, o Márcio Bruno já topara com um escorpião negro.

Antes do anoitecer, ainda rolou de darmos um role pela parede. A base, além de molhada é quase toda pantanosa. Atolávamos até a canela a todo momento. Mas não havia jeito de escapar, então melhor dar uma ripa no trampo e começar a subir a parede o quanto antes.

Nesse role, achamos um diedro que parecia promissor. Como os primeiros 100m da parede (inteira!) são cobertos de vegetação, este nos pareceu o melhor caminho até uma séria de tetos e negativos, que eram protegidos da chuva e limpos.

Acampamento Crédito da imagem: Eliseu Frechou[5]

Acampamento
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Márcio na primeira enfiada Crédito da imagem: Eliseu Frechou[6]

Márcio na primeira enfiada
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Ficou acertado que o Márcio Bruno e o Fernando puxariam esse trecho, enquanto eu iria encher as garrafas PET de água e transportá-las até a base para serem rebocadas até o platô que visualizávamos no final do diedro.

A primeira noite foi úmida. Choveu demais, e a impermeabilização do fly do meu portaledge não segurou a bronca. Má notícia. Passei para a barraca de lona e terminei a noite encolhido.

Logo pela manhã os caras partiram. O Márcio brigou o dia inteiro com a vegetação para abrir as duas primeiras enfias, esticando a corda e chegando num platô bem bacanão. Como já era tarde, resolvemos dormir mais um dia no chão e fazermos o reboque no terceiro dia.

As cinco primeiras bases vistas do chão. Na segunda existe um platô, e na terceira, é o chamaríamos de "Platô da árvore", outro ponto de bivaque. Crédito da imagem: Eliseu Frechou[7]

As cinco primeiras bases vistas do chão. Na segunda existe um platô, e na terceira, é o chamaríamos de “Platô da árvore”, outro ponto de bivaque.
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

 

A decolagem >
Na segunda noite, ainda no chão, a chuva noturna deu uma aliviada e tivemos uma noite tranqüila. Logo cedo, o Márcio jumareou a corda de 110m que havíamos levado para fixar e rebocar. Na sequência, lá fui eu montanha acima.

A tática era: eu guiaria a próxima enfiada enquanto o Márcio me fazia segurança e ao mesmo tempo (quando eu estivesse num trecho tanquilo), ir rebocando os haul bags que o Fernando iria preparando no chão. Como eu já havia abastecido a base com água, sobrou pro Fernando limpar tudo e fechar os equipos de pernoite. A partir de agora, a idéia era não descer mais, pois a umidade do chão já começava a incomodar.

Na manhã do quarto dia. Jumareando 60m para acordar esperto. Crédito da imagem: Márcio Bruno[8]

Na manhã do quarto dia. Jumareando 60m para acordar esperto.
Crédito da imagem: Márcio Bruno

Minha parte já começou na roubada. Havíamos visualizado 3 linhas, para atravessar os dois tetos logo acima da segunda base. A linha da direita parecia ter mais fendas, e foi nessa que eu apostei as fichas. O início era um terceiro grau totalmente podre, continuação do pesadelo que o Márcio havia enfrentado no dia anterior. A possibilidade de queda fator 2 era uma realidade nesse trecho. Fui escalando com cuidado mesclando partes em livre e artificial para não jogar muito peso num bloco ou numa peça apenas. Logo após passar o tetinho abaixo do teto maior, um diedro 20 metros acima parecia bem interessando, e nele, havia uma passagem para outro sistema de fenda que acreditávamos, daria num platô. Então o lance foi encaixar uma peças, fazer uns furinhos de cliff, e depois de um lance de A2+ e uma saída em livre de 4° grau, alcancei uma pequeno platô onde montei uma base em móvel, pois a corda já estava com bastante atrito. Até esse momento, o Fernando não havia conseguido preparar os bags, então o Márcio não poderia subir até mim para aliviar o atrito da corda e assim, eu continuasse pelo diedro. Esperei uns minutos e resolvi fazer o restante em solitário.

Puxei a corda até o final, ancorei-a e parti em solitário os 25 metros restantes da corda, até chegar à saída dos tetos. Bati uma chapeleta e fixei a corda. Neste momento, o Márcio já havia puxado um dos haul bags e resolveu subir. Ele limpou a a enfiada e descemos para puxar os bags juntos, o que ainda assim, não foi tarefa fácil. Tínhamos, além do equipamento, 44 litros de água! O reboque nesta parede positiva deu muito trabalho, pois além do atrito, os bags enroscavam a todo momento na vegetação ou na pedra.

Ao anoitecer já estávamos os três no platô, com os portaledges montados e curtindo o visual das alturas amazônicas.

O quarto dia também teve início ás 04h30. Almoçamos, subimos o Márcio e eu, eu guiei mais um trecho de 40m. Então cheguei no platô seguinte, que tinha uma árvore que havíamos avistado do chão, mas que para nosso azar, era bem inclinado. Tudo bem, fazer o que? Em seguida, iniciei o reboque do equipo, que veio mais fácil desta vez, pelo fato de estarem no ar.

Fernando no Portaledge na P4 Crédito da imagem: Eliseu Frechou[9]

Fernando no Portaledge na P4
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Márcio no portaledge da P4. Crédito da imagem: Eliseu Frechou[10]

Márcio no portaledge da P4.
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Os guerreiros subiram na sequência, primeiro o Fernando depois o Márcio, que já iniciou a enfiada seguinte, que era uma fenda/diedro bem larga, e suja. Enquanto o Fernando arrumou as tralhas e montou os portaledges, o Márcio esticou 30 metros e desceu. Conseguimos um lugar plano de 40cm para cozinhar e deu para acender o fogareiro e mandar um rango quente pra dentro, o que foi ótimo, pois nessa tarde já esfriou à valer.

Visual na tarde do quarto dia. Crédito da imagem: Eliseu Frechou[11]

Visual na tarde do quarto dia.
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Pernoitamos aí com uma grande surpresa no final do dia e no raiar do sol: revoadas de maritacas invadiram a parede para nidificar nos platôs de vegetação. Alucinante.

Começa a guerra >

A segunda noite na parede foi úmida. Uma garoa persistiu durante toda a noite, e a árvore do platô ainda condensava a umidade e pingou sobre o meu rainfly sem parar. Tive de acordar no meio da madrugada e colocar o saco de bivaque por cima do meu saco de dormir para não e molhar, pois o rainfly já se mostrara ineficiente logo na primeira noite.

Portaledges no platô da Árvore. Crédito da imagem: Eliseu Frechou[12]

Portaledges no platô da Árvore.
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Acordamos como sempre antes das 05h00 e ao raiar do dia, o Márcio já jumareava as cordas para finalizar a enfiada da fenda. Na primeira parte da manhã, o sol mostrou a cara e nos animou com sua luz amarela, a trabalhar mesmo apesar do frio.

Antes do meio-dia ela já estava com a corda esticada e eu, mais que depressa, subi e iniciei um 5° grau adrenante, com a parede menos inclinada, mas bastante suja. Felizmente as fendas foram aparecendo, a proteção melhorando e eu ficando mais valente, ahahaha. Na metade da corda, meu estoque de TCUs e aliens estava no fim. Como o trecho seguinte se mostrava bem liso e com menos fendas, resolvi bater uma chapeleta e recuperar algumas peças pequenas. A saída da chapeleta pareceu bem ruim… e ainda por cima, a parede estava pingando nesse trecho, com os musgos inchados como gelatina. No problem. Puxei os estribos e iniciei uma sequência em artificial que se estendeu até a base seguinte, 20 metros acima, resultando num A2+.

Marcio jumareando da P4 para P5 Crédito da imagem: Eliseu Frechou[13]

Marcio jumareando da P4 para P5
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Fernando rangando na P4 na manhã do quarto dia. Crédito da imagem: Eliseu Frechou[14]

Fernando rangando na P4 na manhã do quarto dia.
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

 

A partir deste trecho, a escalada mudou de estilo. A verticalidade e a presença dos tetos nas enfiadas anteriores nos deixara menos suscetíveis às chuvas e escorrimentos de água. A partir desta enfiada, teríamos a água como inimiga implacável. Durante todo o restante do esticão, fiquei debaixo da água que pingava de um dos platôs logo acima. Confesso que mesmo bem agasalhado foi bastante desconfortável guiar este pedaço de pedra, pois mal conseguia olhar para cima, e já tomava pingos nos olhos. O tempo que nesta tarde estava bem nublado também me deixava receoso de uma frente fria estar a caminho.
Na divagação entre furos de cliff e peças que não encaixavam bem, lembrei das histórias do Makunaima. Troquei um papo então, com o espírito da montanha, pedindo mais uma vez permissão para entrar na sua casa. E se Makunaima é o espírito de um guerreiro, com certeza entenderia o que – e porque – estávamos lá. Fiz um acordo de que nos esforçaríamos para intervir o mínimo possível na casa dele, em troca de sua colaboração e bom humor. Por incrível que pareça, após isso, os pingos até diminuíram.

A base seguinte seria em um platô de 10m de comprimento por 1.5m de largura. Bati a base dupla e desci desequipando a enfiada, para facilitar e agilizar o trabalho. Me uni ao Márcio Bruno e descemos para o platô da árvore, onde o Fernando já nos aguardava co um rango pronto. Bom!

No quinto dia de escalada, jumareei cedo e junto com o Fernando, puxamos os bags que o Márcio ia soltando. Mesmo no negativo, o trampo é pesado.
Tão logo o Márcio chegou, já se equipou e partiu para a conquista da enfiada seguinte, que seguia por uma parede vertical, que rendeu o crux em livre da rota (VIIa) e depois caía para a direita, num trecho mais positivo e sujo. Enquanto isso, o Fernando ia arrumando as tralhas para o pernoite. Infelizmente no meio da tarde começou a garoar de novo. O Márcio ligou o turbo, mandou muito bem, e conseguiu bater a base seguinte, esticando a corda de 60m.

Logo que o Márcio desceu, a chuva começou a engrossar. Mais que depressa, entendemos que os portaledges não nos salvariam da água que estávamos vendo no horizonte e que com certeza estava vindo em nossa direção. Lembramos da lona preta que carregávamos e depois de algumas tentativas, montamos uma tenda/maloca, apoiando os portaledges em pé na parede para dar uma estrutura, e a lona por cima deles. Apesar da corrida, estávamos relativamente secos e com o moral alto, pois pensávamos que a chuva não persistiria. Puro engano.

Trevas >

Não há big wall que eu escale em que não chova. Peguei 2 dias de tempestades na Zenyatta Mondatta, tive que escalar numa enxurrada na Plastic Surgery Disaster – ambas no El Capitan , na Terra de Gigantes da Pedra do Sino teve garoa, na Solução Suicida enfrentamos dois harmatans. E por aí vai. Parece maldição, e se é, no Roraima mais uma vez ela se concretizou.

Acreditávamos que a chuva que começou no sexto dia iria parar. Mas não parou. E no sétimo dia, nossos 4 metros quadrados ficaram pequenos para um três marmanjos. O dia foi entediante, e só não foi mais tenso por conta do sistema de som do Márcio que bommbou um som de prima o dia inteiro, mantendo-nos de moral alto. A seleção de Neil Young, 10.000 Maniacs, The Smiths e Coldplay foram acrescidas de trance por conta do MP3 que eu peguei emprestado de última hora do meu filho Artur, e carreguei com os últimos lançamentos da psicodelia européia.

O barraco, com o Márcio esquerda e o Fernando de saco de dormir amarelo deitados. Crédito da imagem: Eliseu Frechou[15]

O barraco, com o Márcio esquerda e o Fernando de saco de dormir amarelo deitados.
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Marcio cozinhando Crédito da imagem: Eliseu Frechou[16]

Marcio cozinhando
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Já que não havia jeito mesmo, tiramos o dia para engordar e captar água da chuva, uma vez que nossas garrafas estavam contadas para os dias de trabalho. Pode-se beber água da chuva, desde que se a ferva e acrescente algum tipo de suco, comida, sopa… como a água da chuva é uma água desmineralizada (é esse o termo?) , se você a tomar diretamente, ao urinar ela estará levando os sais minerais do seu corpo, deixando-o mais fraco. Se você não tiver nada para acrescentar, coloque ao menos um pouquinho de terra (!).

Enfim, encaramos este dia como um dia de descanso. Pena que sequer conseguíamos ficar em pé no nosso barraco. E as conseqüências desse dia encolhido se mostraram a noite, com uma insônia de lascar e dores por todo o corpo. Mas estávamos confiantes de que o tempo abriria na manhã seguinte. Mais uma vez estávamos enganados.

O sétimo dia de escalada amanheceu com chuva forte. Já estávamos ficando surdos com o barulho do vento e da chuva na lona. Agora já começamos a ficar preocupados com a possibilidade de a chuva ser uma frente fria que durasse vários dias. Nada mais horrível do que a ansiedade de querer sair de uma roubada e ter que ficar parado, mal instalado e sem ter o que fazer. Se você não tiver uma úlcera, cuidado para não arranjar uma nessas ocasiões. Som na caixa! E vamos agüentando. Nesse dia fiquei sentado o dia inteiro. Me esforcei para não deitar e assim, talvez dormir melhor. O dia passou lento.

A umidade podia ser vista, quando acendíamos as headlamps. Crédito da imagem: Eliseu Frechou[17]

A umidade podia ser vista, quando acendíamos as headlamps.
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

No oitavo dia, a chuva deu uma ligeira trégua. Mais que rapidamente, o Márcio Bruno subiu a corda fixa, e eu fui atrás. A enfiada seguinte seria com o início em livre. Eu havia colocado mais agasalhos do que deveria para este tipo de escalada, e isso me incomodou no trecho, então voltei e passei a corda pro Márcio, que guiou 25 metros de 6° grau com proteções pequenas, a maioria aliens. Só após os 15 metros ele conseguiu uma colocação bacana, entalando um quadcam e um camalot #1 que ficaram potentes e garantiram um alívio. Uma metros acima e ele instalou uma chapeleta e passou a corda para mim. A continuação do trecho seria em artificial, com a parede ficando negativa e depois deitando. O trecho não é mais do que um A2+, mas algumas das colocações perto da base foram bem ruins e difíceis de instalar. Mais uma vez terminei a minha parte molhado. Só sofrimento… Mas pelo menos o dia rendeu uma enfiada, o que foi muito bom para adiantar nossa saída da montanha e para nosso moral, que andava bem baixo após dois dias mofando.

A batalha final >

O décimo primeiro dia na parede amanheceu lindo, com sol brilhando e as araras fazendo festa. Seria o dia perfeito para chegar ao cume. A energia do calor do sol nos deu um ânimo que não sentíamos fazia dias. O Marcio e o Fernando estavam encarregados de puxar os bagas e limpar as cordas fixas. Eu iria limpar a base, soltar os bags e depois jumarear pela corda estática.

Platô da Resistência no 10° dia. Fernando tocando pra cima nas cordas fixas. Imagem: Eliseu Frechou[18]

Platô da Resistência no 10° dia. Fernando tocando pra cima nas cordas fixas. Imagem: Eliseu Frechou

Na sequencia o Marcio guiaria o trecho que faltava para chegarmos a um grande totem que acreditávamos, estava perto do topo. Dalí a ponta da corda seria minha, e o reboque seria feito pelo Marcio e enquanto fazia a minha segurança. A ideia era bater no cume neste dia. O primeiro reboque de 110m foi tranquilo.

Reboque Crédito da imagem: Eliseu Frechou[19]

Reboque
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Jumareando no vazio. Frio na barriga. Crédito da imagem: Eliseu Frechou[20]

Jumareando no vazio. Frio na barriga.
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

A jumareada no vazio foi de lascar. A corda muitas vezes sumia no nevoeiro. Mas um veneninho faz parte. Subi rápido, e alcancei o Fernando que estava na segurança do Marcio, que bateu no totem antes das 13h00.

O plano estava perfeito. Até a minha parte… Ao chegar na 11ª base, me equipei rapidamente e escalei uns metros de mato até a rocha. Quando bati o olho na virada de um diedro que dava acesso ao totem, senti um calafrio. A fenda era uma chaminé! Uma chaminé de 100 metros de pedra podre, cheia de blocos e vegetação, e em muitos trechos, a primeira parte era negativa. O caminho seria pela parede, onde escorria água e a pedra era muito lisa. Caracas! Vim até aqui para escalar aderência, xinguei baixinho para o Makunaima não ouvir e piorar minha situação.

Ficou claro nesse momento que não faríamos topo naquele dia. Ainda mais por conta de que o Fernando havia ficado com 3 bags a 60metros abaixo. Fiquei frustrado, com raiva. Estava afins de tentar escalar até o amanhecer, varar a noite mesmo, se precisar, escalaria até o topo em artificial. Só pensava em chegar no topo e finalizar a tarefa, poder ir pra casa.

Felizmente o bom senso dos comparsas me fez desistir da ideia, que não teria sido muito produtiva mesmo. Então não houve jeito a não ser montar os portaledges novamente e dormir mais esta noite na parede. Foi uma noite tranquila, apesar de todos termos perdido boas horas de sono na ansiedade de bater no topo. Outro problema seria o de que havíamos combinado com o Rafael de ele vir nos pegar no dia seguinte. E se não estivéssemos no topo, ele cobraria a viagem de resgate mais uma vez… e é caro esse rolê.

Acordamos cedo, o Marcio guiou a enfiada desde o ponto onde eu havia parado, e eu comecei a próxima, que seria a décima segunda, pela fenda. No início a fenda era muito larga, para camalot #5 e #6 e big bros, depois uma sequência pouco protegida, umas raízes boas para proteger, um teto e uns platôs para dominar. Tive de bater uma chapeleta para descer e recuperar umas peças que já estavam faltando. O atrito da corda estava me travando, então quando cheguei a um platozinho, puxei-a, fixei numa árvore e segui em solitário. Pouco antes das 13h00 cheguei ao topo. Gritei muito alto pros camaradas ouvirem. Havíamos terminado! Tive um descarrego de paz na alma. Com o restante de carga no valente martelete Bosch, instalei as duas últimas chapeletas para a base. Havíamos saído da prisão.

Brothers in arms. Puxando as tralhas para o topo.[21]

Brothers in arms. Puxando as tralhas para o topo.

A noite foi fria e estrelada, o bivaque com a lona, ficou horrível, mas não estávamos nem aí mais. Daqui pra frente seria só alegria. As 04h30 o Márcio soltou uma mensagem no Spot para que ligassem do Brasil para o Rafael. Fizemos as últimas fotos num amanhecer alucinante e antes das 07h00 ouvimos o heli se aproximando.

Acelera a máquina Rafael Crédito da imagem: Eliseu Frechou[22]

Acelera a máquina Rafael
Crédito da imagem: Eliseu Frechou

Com certeza esta foi uma das experiências mais intensas da minha vida. Agradeço à todos que a fizeram possível, e aos amigos que torceram por nós.
Agradeço também meus patrocinadores: Botas e sapatilhas Snake (www.snake.com.br[23]) roupas de montanha Solo (www.solobr.com[24]) e mochilas e sacos de dormir Deuter (www.deuter.com.br[25]) pelo apoio incondicional, sem o qual não teria conseguido viver esta aventura. O Fernando tem apoio da Prana Petroquimica (www.quimigel.com.br[26]). Nesta empreitada tivemos todos o apoio de alimentos Liofoods (www.liofoods.com.br[27]), telefone satelital e Spot da Globalstar (www.globalstar.com.br[28]), óculos Prorider (www.prorider.com.br[29]) e cobertura da Webventure (www.webventure.com.br[30]).

Aos guerreiros Márcio e Fernando, está reservado um lugar no coração.

Agradecemos todos às nossas famílias que sempre nos apoiaram e compreenderam.

E vamos pra próxima!

Guerra de Luz e Trevas. Topo da rota[31]

Guerra de Luz e Trevas. Topo da rota

Croqui da via Guerra de Luz e Trevas. Eliseu Frechou[32]

Croqui da via Guerra de Luz e Trevas. Eliseu Frechou

 

Endnotes:
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  29. www.prorider.com.br: http://www.prorider.com.br
  30. www.webventure.com.br: http://www.webventure.com.br
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